domingo, 22 de março de 2015

Imaginário

Há alguma coisa que fica em silêncio quando um homem dirige na marginal e do outro lado vê os prédios iluminados na profunda noite. Já já ele vai chegar em casa e dormir. E quando o vento sussurra um segredo em seu ouvido, com frases mudas, como balbucios em movimento, este silêncio está presente. Há alguma coisa que fica em silêncio quando pessoas se preparam para uma festa, para participarem coloridas e maquiadas do Carnaval, que logo virá, e irá. A mesma coisa fica em silêncio quando se pensa em como será a festa de Natal, na reunião com a família, na troca de presentes, na ânsia de encontros e compromissos que vão se aproximando. E já se despedindo. Ela fica em silêncio no cumprimento entre amigos, no primeiro dia da escola, na lembrança de uma obrigação, no aperto de mãos de uma reunião, na pergunta para onde você vai, em frente ao Conjunto Nacional, enquanto carros e transeuntes passam, de lá, pra cá, no tique e taque pela manhã que se esvai. Silêncio que permanece no momento da cobrança de um pênalti, no limiar da alegria e da tristeza, no prazer de desfrutar os  cinemas, cafés, restaurantes e lojas de luxo na florida Champs-Elysées, até que, já no quarto de hotel, o passeio se torne recordação, como a infância. E o silêncio permanece inalterado, na função de testemunha ocular da mulher se olhando no espelho. Ela dá a última retocada de charme para sair de casa e enfrentar o desafio da vida em seu corpo escultural, que também é apreciado sob os mesmos olhares contornados de silêncio. Há alguma coisa que fica em silêncio quando um homem escreve sobre sentimentos buscando palavras a cada instante, no espaço, no ato, nas armadilhas do invisível. E permanece intacto na leitura de um livro que logo terminará, na dança do palco instantes antes de a cortina se fechar, enquanto a plateia aplaude enaltecida, já se levantando acompanhada por ele e por rastros de sorriso que permanecerão preenchendo as poltronas por algumas horas. Há alguma coisa que fica em silêncio no sonho lindo que se apagou de nossa memória, mas lateja alegria inexplicável em nosso coração pelo resto do dia. Ou no acompanhar diário do crescimento dos filhos, na feição que evolui em gradação, até se tornarem adultos. Nos casamentos que amadurecem, dia após dia, na cama que testemunha encontros e desencontros, a mesma que vê o bom dia e está lá no boa noite. Também está presente antes e depois da tempestade ou no momento abstrato em que Goodbye Yellow Brick Road virou flashback. Essa coisa existe para abstrairmos que o presente não existe, nesta roda desenfreada de bilionésimos de segundos impossíveis de serem contados. Tampouco paralisados. Este silêncio é como uma luz imortal que nos segue, nos autorizando a viver. Nos dá a chance de planejar porções do tempo com a ilusão de serem estáticas. Silêncio generoso, por nos dar brecha para a encenação dessa ilusão real e imprescindível para a nossa sanidade. E que nos acena com o próximo Carnaval, que em breve será passado; a próxima reunião, depois ultrapassada por outra; o próximo encontro, em um sopro página de nossa história, esquecida ou não. No fundo, escravos de datas e esperanças que se seguem, todos sabem que ele existe. E o reverenciam. Mas, como ele, silenciam diante do seu tempo imaginário, presos ao cortejo de sua maravilha molecular, feita de incessantes explosões de partículas e pensamentos. Também este colunista sabe disso, teimosamente tentando denunciar o já sabido, buscando em vão controlar este andar incontrolável. E o que é esse silêncio? Uma alma? Uma fábula? Um pulsar? Uma reza? Nosso desejo? O destino? Tudo isso, mais todas as palavras e todas as galáxias e todos os silêncios. Silêncio quântico, poderoso, onipresente. Inexplicável e infinitamente universal. Tão bondoso, por autorizar todos esses momentos fluidos a passarem tão rápido e, mesmo assim, ficarem eternos, e em silêncio, pelo menos dentro de nós. Imutável, é ele quem provoca a nossa mudança. E não há como dar nada em troca. Nem precisa. Ele apenas se basta, a cada dia, com a sua continuidade e a nossa transformação.

quinta-feira, 19 de março de 2015

Atemporais

O passado é um acúmulo. O futuro, infinito. O presente? Não existe.