quinta-feira, 23 de maio de 2013

Douchet

O complexo de vira-latas voltou ao futebol brasileiro. Hoje, o consenso é o de que jogar na Europa significa a chance de o jogador brasileiro evoluir. Nem sempre isso é verdade. Pelo contrário. Os jogadores que atuam fora do Brasil já não são imprescindíveis à seleção brasileira. Algo que não ocorria antes, quando Falcão, Sócrates, Zico, Romário, Rivaldo e Ronaldo, por exemplo, jogavam no continente europeu. Neymar pode muito bem crescer como jogador por aqui. Principalmente no caso de o Brasil se tornar hexa, o que considero provável. Sua queda de produção decorre mais do estresse e da pressão do que da falta de motivação e estagnação técnica. A pressão é tanta que, antes, todos falavam que ele só jogava bem no Santos e não na seleção. Agora ele não está jogando bem nem no Santos. O estruturalista Roland Barthes dizia que "criticar é por em crise". Já o cineasta Jean Douchet ressaltava que a "crítica é a arte de amar". O futebol brasileiro está em crise, é verdade. Muito em função da falta de amor dos críticos. Neymar, ou qualquer pessoa de sucesso, vive nesta berlinda entre o maligno e o benigno. Ele é jovem. Só precisa de tempo para dar as respostas. Está aprendendo, neste limiar, a driblar os críticos que querem caos. Mesmo se, por um milagre, permanecer no futebol brasileiro. Neymar dribla os críticos mais do que os zagueiros. Sou mais Douchet. A crítica é a arte de amar. E driblar os críticos é a arte de Neymar.

terça-feira, 21 de maio de 2013

Peres

Em 1998, Shimon Peres respondeu ao jornalista Robert Littel da seguinte forma. "As pessoas dizem que em tempo de guerra é necessário um governo de união nacional. Nesse caso, por que não fazer a mesma coisa para evitar a guerra? A melhor guerra pode ser a que não houve". E alguns "pragmáticos" ainda o chamam de sonhador.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Cores

Entendo cada cor como uma manifestação de vida. O verde empresta sua tonalidade às folhas. E o branco faz as nuvens se assemelharem a flocos de algodão. Um tapete de flores vermelhas se abre diante de uma cordilheira, revelando forças ocultas que regem o universo com beleza e encanto. Há no entanto corintianos que renegam o verde. Odeiam o visual de matas, campos e florestas explodindo nos seus olhos. Alguns palmeirenses também se ressentem por amarem uma moça de olhos negros e pele alva, em conflito por se apegarem ao corpo uniforme de cor rival. Gremistas gostariam que só existisse o céu azul e que o vermelho se apagasse das flores, do sangue que corre em suas veias ou de uma vasta plantação de maçãs ao redor da cidade. Culpam-se até pela delícia de beijar os lábios rubros da linda namorada. Assim o torcedor deixa de ser uma alegoria de seu tempo, joga fora a roupagem de personagem do mundo, ao estilo Carlitos, com seus dilemas, seus sonhos, seu sofrimento humano. Reduz intensamente o seu papel. Apequena-se. Torna-se apenas um assassino das cores.

terça-feira, 14 de maio de 2013

Cirúrgico

Uma sábia decisão daqueles que querem se dar bem na profissão é fazer uma cirurgia básica: a de extração do fígado. No bom sentido, é claro.

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Combinação

A verdadeira democracia combina a voz do povo com o respeito às minorias.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Sr. Bruno

Estou no pátio do meu prédio. Noite límpida. Olho para as estrelas e, da luz de uma delas, imagino o semblante de meu tio, que se foi na semana passada. A aragem fria conforta meu turbilhão interior. As folhas das palmeiras balançam, como se tentassem acariciar minha contemplação. Era muito próximo dele, mas fiquei sabendo da notícia apenas hoje. Não nos víamos havia tempos. Ele morou cerca de três anos em Salvador, distante de nossa família. E morreu pouco depois de minha tia ter falecido, há menos de um ano. Também não se viam, por questões alheias à vontade de ambos. Não tinham filhos juntos. Mas construíram uma história bonita, de quase quarenta anos. Acompanhei tudo desde criança, compartilhando momentos de afeto e alegria. Passávamos temporadas em Santos, almoçávamos juntos, era alvo de brincadeiras, conversávamos sobre futebol. Não vou dizer que o afastamento entre eles foi de todo triste. Foi real, como se o destino tivesse falado mais alto do que as promessas de casamento. Aí entram velhice, esquecimento, rancores familiares e outros fatores. A verdade é que, olhando para a noite tranquila, fico até com vontade de escrever um livro sobre o casal. Olho para o playground vazio. À tarde, o som da algazarra das crianças tomava conta do local. Agora ele parece apenas refletir o espectro do passado recente. Por que, pelo menos por um momento, a roda febril da passagem dos anos não pára um pouco? Por que não podemos experimentar, nem que seja por um dia, a eternidade dos instantes? Assim poderíamos estacionar nossas angústias nesta pausa. Curar feridas, superar traumas, prolongar sonhos e estudar a melhor maneira de realizá-los. Poderíamos também voltar ao passado, reviver saudades, matar inclusive a própria morte. Incorporar a totalidade da vida, dos lugares, do tempo. Sim, me dá vontade de escrever sobre eles, meus tio e tia. Fazer com que vivam por aqui um pouco mais na minha realidade fantástica. Seria egoísmo terreno ou uma homenagem celestial? Talvez os dois. Mas tenho dúvidas se conseguiria escrever um romance sobre eles. Seria difícil. Escreveria este livro com tanto amor, mas tanto amor, que, durante sua realização, não sei se eu seria o escritor ou o mais apaixonado leitor de suas vidas.

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Sopa

Urgência e paciência não combinam. Enquanto uma salva uma criança em apuros a outra toma um prato de sopa lendo um livro. Não dá para tomar um prato de sopa lendo um livro e salvar uma criança em apuros. Assim como é impossível salvar uma criança em apuros e ler um livro tranquilamente diante de uma mesa com um prato de sopa. Entendo, mas não fico satisfeito com a frase "estarei antenado com a sua situação". As ondas destas antenas são muito longas, lentas, movimentam-se letargicamente a cada instante infinito da minha urgência. E não matam minha fome desesperada, por pelo menos um prato de sopa.

terça-feira, 7 de maio de 2013

Manhãs

A manhã abre as cortinas dos meus olhos. Me abraça com o manto de sua brisa. Me escuta na amplitude de seu ventre. Me colore com a cor do sol nascente, me refresca como o orvalho faz com a relva. Todo dia no entanto me adapto, à transição dos períodos na minha vida. As horas passam de maneira incontinenti. Ultrapassam a manhã ao meio-dia. Vejo então a luz que há pouco explodiu. Arrefecer iniciando nova etapa. Tenho assim de transformar este milagre. E carregar tudo que vi dentro de mim. Mantenho todas as cortinas bem abertas. E preservo o manto sobre os meus ombros. Prendo toda a amplitude na minha porta. Faço tudo para o frescor ficar na mente. Dia a dia venço algo abstrato. Que flutua além do que o relógio marca. E por mais que o tempo passe e isso arde. Já não digo para mim agora é tarde.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Diferença

Duas frases mostram a diferença de pensamento que até hoje divide a humanidade, diríamos, entre bons e maus. Na primeira, Hitler disse: "a democracia deve ser destruída por suas próprias forças". Já a primeira-dama dos EUA, Eleanor Roosevelt, declarou, ao ser condecorada na mesma época. "Darei o melhor de mim para fazer o correto...com o sentimento de que este país deve caminhar para frente, de que temos de preservar a democracia e torná-la realidade para mais pessoas...Devemos constantemente lembrar-nos do que dar, em troca do que temos". E assim o nazismo foi derrotado. Por suas próprias forças.