domingo, 30 de junho de 2013

Confederações

Ao interceptar um chute de Pedro quase embaixo do gol, David Luiz repetiu o que Amaral fez contra a Espanha em 1978. Naquela Copa, o brasileiro salvou dois chutes, um de Cardenosa, em cima da linha. Todas as crianças, por alguns anos, gritavam "Amaraaaal", sempre que tiravam bolas perigosas nos joguinhos da escola. E sobre o futebol que a seleção brasileira jogou hoje, contra os espanhóis, dá até para repetir o bordão que se usa para criticar a infraestrutura do Brasil para 2014. Mas na forma de elogio. "Imagina na Copa."

terça-feira, 25 de junho de 2013

Aragem

Saiu de madrugada para levar seu fiho ao aeroporto. O silêncio e a aragem fria o remeteram a outros tempos, na longínqua adolescência. A madrugada, no entanto, era a mesma. O mesmo aroma urbano. O mesmo balançar das árvores. O mesmo barulho distante dos carros. As mesmas esperanças. Madrugadas, assim como aeroportos, são convites à reflexão. Brincam com o tempo e o espaço, revelando suas faces transitórias. E vem o amanhecer, que de repente explode em traços de silêncio e luz, como dizia D'Annunzio. E depois de algumas horas, aterrissamos em outras paragens. Proust já dizia sobre o tempo e seus quadrantes. A viagem de um filho é uma grande transição. É a repetição de antigas expectativas diante do desconhecido. Só que a aventura agora vem dividida. Entre ele e nós. Como se a vida fosse uma espiral de emoções em que, de épocas em épocas, as experimentamos novamente, com temperos diferentes. Parte de nós vai com nosso filho. Outra parte fica com a família que não foi. Parte de nós vive o momento. Outra parte ainda está na adolescência. Parte de nós lamenta as agruras da maturidade. A outra insiste em sorrir diante delas. Parte de nós reside hoje em nossos filhos. A outra parte procura a individualidade de outrora. Muitos sonhos se foram nessas viagens cíclicas. Mas ficaram o silêncio, a aragem e o aroma urbano. A madrugada, enfim, é sempre a mesma.

terça-feira, 18 de junho de 2013

Protesto

A Fiat tem razão. Vem pra rua, protestar contra o excesso de carros.

Espera

O SUS tem sido grande fonte de receita da indústria de analgésicos. Um homem chegou com a perna fraturada. O enfermeiro do hospital lhe disse, antes da espera de nove horas: "pegue a senha e tome um analgésico." O mesmo ocorreu à menina com crise de apendicite. "Tome este analgésico e aguarde", orientou a atendente, diante da mãe atônita. A funcionária da fábrica, ao chegar com a mão perfurada, também foi medicada: um analgésico para amenizar a dor. Receita idêntica foi dada à mulher em trabalho de parto. "Tenha um pouco de paciência, vou lhe dar este analgésico." Com tanto analgésico, agora entendi por que o Brasil é chamado de Gigante Adormecido.

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Conversa

Um dia sonhei que conversei com Deus. De um jardim florido, eu dizia. "Manifestantes na rua são vândalos e não respeitam a democracia." E olhava para as nuvens, que abafavam os raios fortes do sol, mas não ocultavam sua luminosidade. "Não é bem assim", uma voz me dizia, vinda do alto. "A polícia é covarde e se comporta como nos tempos da ditadura", eu dizia. "Não é bem assim", ouvia. "Obama jogou fora sua credibilidade com escutas e rastreamento de e-mails." "Não é bem assim." "Deixei de torcer pela seleção brasileira porque na CBF só tem corruptos." "Não é bem assim." "Antigamente tudo era melhor, mais humano. Nos tempos de hoje só vemos violência." "Não é bem assim." "O brasileiro cansou de sofrer, sente a inflação voltar e por isso surgiram os manifestantes da Paulista." "Não é bem assim." Eu: "então me responda, por favor." Ele: "os manifestantes surgiram porque representam jovens que se cansaram de não ser ouvidos. Não ser ouvidos por um mundo alucinado, embebido de egoísmo, ambição e fúria, que tenta engolir o que vocês têm de bom. Muitos homens hoje são um pouco nazistas no descaso com as questões alheias." Eu: "Por tudo isso, me sinto cansado. Bato em portas que não se abrem, me deparo com a frieza humana, estou farto de ser fechado na rua, de competir para sobreviver, de viver nesta selvageria maquiada de aparência, na qual os desonestos são os outros." Ainda eu: "Não nos reconhecemos humanos, profanamos o sagrado, questionamos a moral como adolescentes que sonham com uma falsa liberdade, a libertinagem do poder, do dinheiro ou das convicções impostas. Por isso quero fugir, não ver mais ninguém, me isolar, antecipar a morte do meu nome, carimbar o esquecimento em cima de uma montanha e colocar uma placa na porta da minha cabana, como fez Herman Hesse. 'Humanos, não perturbem'". Silêncio. Eu, já anoitecendo, a nuvem se esvaindo: "Não vai me responder?" Ele: "o que quer que eu diga?" Eu: "Não é bem assim."

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Favores

Muitas pessoas se enganam quando se sentem obrigadas a ter gratidão por uma gentileza fingida, como se esta fosse um imenso favor. Gestos aparentes, por trás de mesas ocupadas, auxiliados por secretárias emburradas, cheios de frases enganosas, promessas não cumpridas, telefonemas não atendidos, reuniões fugazes, falsidade nos sorrisos e nas palavras. Se a pessoa pensa ser tudo isso um imenso favor, está enganando a si mesma. E se o "favorecido" se sente na obrigação de manter a cena, se torna, mais do que vítima, cúmplice deste enredo. Ele acaba pensando, com uma submissão humilde diferente da boa educação, que está sendo agraciado imerecidamente com o tal imenso favor. Que, na verdade, não passa de um simples e rotineiro desfavor.

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Tempo

Vejo o tempo com uma brisa que sopra de dois lados. De um nos ameaça se transformar em furacão implacável e destruidor. Vai na trilha da roda-viva do Chico. Suga instantes. Corre efêmero como um rio que se desfaz na cachoeira de lamentações. Leva-nos ao envelhecimento abrupto. Passa em pulos, agoniza nossa alma em um conta-gotas de expectativas e vivências. Vira pó na ampulheta. Mas tempo, seu rosto não é só este, na perspectiva maior da vida. Sua brisa sopra, acima das cordilheiras e de abismos assustadores, vinda de horizontes promissores. Basta para isso que nos aliemos a você, selando um pacto indestrutível de amizade. A energia de Cronos, o seu Deus, então caminha ao nosso ritmo, abrindo as portas para a nossa passagem arrebatadora. Tempo é vida, porque na morte ele não existe. E o tempo vivo exige de nós amadurecimento e paciência. A partir daí fica mais fácil curar feridas, se libertar de traumas, descongelar os terrores antes calcificados em nossas geleiras interiores. A saudade se torna bem-vinda, trazendo em seu rastro recordações importantes, frases inesquecíveis, lágrimas bem vividas. A convivência com o tempo faz dele o nosso melhor companheiro. Sua presença nos incentiva a seguir adiante, nos acolhendo com promessas invioláveis. “Mesmo que eu voe rápido, estarei com você por onde quer que esteja, aonde quer que vá”, é sua máxima. A esperança inexiste sem o tempo. E, se nos consideramos eternos filhos da esperança, podemos chamar o tempo, na sua sabedoria silenciosa, de nosso primeiro e último pai.

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Plena

Para uma democracia ser plena, a liberdade de pensar não é suficiente se não houver a capacidade de pensar.

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Mestre

O professor disse ao aluno com dificuldades: "Tenha paciência, eu entendo você, já passei pelo que está passando". Era um bom professor. E nem importava de qual matéria.