sexta-feira, 29 de julho de 2011

Astro

O Astro une o passado com o presente, de uma maneira terna, quase mística. Bem ao estilo de seu protagonista, Herculano, que muito se identifica com a temática esperançosa dos anos 70, na letra de Easy, do The Commodores. “Everybody wants me to be what they want me to be. I'm not happy when I try to fake it. No!” (Todos querem que eu seja o que eles querem que eu seja. Eu não estou feliz quando tento fingir. Não!). O ator Lombardi quase se confunde com o ator Cuoco, mas sem perder a identidade. Coloca à sua maneira o jeito simples e humano do protagonista. Um astro, com poderes sensitivos, fonte de desconfianças e perseguições, morando de aluguel. Um homem comum, em busca do amor e do reconhecimento. Conheço esse tipo. Tenho 1m76 de altura, considerada média. Sempre fui um aluno nota 6. Na adolescência, não conseguia ficar com a menina mais bonita da classe. Entrei na faculdade tirando a nota da média. Não sei o que é ganhar um sorteio. Nos exames do coração, o resultado é bom, nunca ruim ou ótimo. Meu colesterol está no limite suportável, em 200. Jamais venci um concurso de crônicas. Nunca fui o melhor, em nada. E hoje ainda me sinto pior ao ler o feed de notícias do facebook – fonte de tanta presunção. Não há magia que me revele o quanto posso estar enganado em relação à minha mediocridade, no sentido literal da palavra. Sempre tentei conversar com Deus, sou crente que ele existe, mas nunca recebi respostas objetivas. Tampouco vi espíritos, como muitos o fazem. Mesmo assim acredito nestas revelações. Pelo milagre de estar vivo, esperançoso, e não por não ser o melhor. É pela paixão que me move que me sinto o astro. Visto-me de místico, com turbante e pedra ametista. Não acredito no que apenas vejo. Acredito no que sinto e no que escrevo.

terça-feira, 26 de julho de 2011

Ondas

O horizonte engana. Os homens vaidosos pensam que por trás de sua linha há o infinito, como se pudessem tudo, não houvesse limites para além do mar. Já os pessimistas imaginam um abismo na divisa entre o sol e o mar, quando um barco distante vai desaparecendo em suas vistas. O horizonte é a prova de que nem tudo o que vemos é real. As ondas ligam continentes. Quando estouram na areia são como mensageiras de outras paragens. O mar é um sinal concreto de vínculo entre vários pontos geográficos. Em Iracema, de José de Alencar, o guerreiro branco Martim, ao chegar à praia, se vê envolvido por uma sensação de alívio. Ele veio a pé, fugindo dos guerreiros tabajaras desde o interior do Ceará. O local o remete à sua saudosa pátria, Portugal. “Arrojou-se nas ondas e pensou banhar seu corpo nas águas da pátria, como banhara sua alma nas saudades dela”, diz um trecho. Quando volta para Portugal, com um filho e sem o seu amor, arrepende-se das ondulações da maré de seu exílio. Com a distância, no tempo e no espaço, passa também a sentir falta do Brasil - do outro lado daquele mesmo oceano. Assim é a vida, assim é o mar. Aquilo que temos são ilhas desertas. O que não temos, são portos seguros. Todos muito reais, como a saudade. Todos muito ilusórios, como o horizonte.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Boiada

Os vegetarianos se iludem porque é impossível não se comprometer. A morte dolorosa do boi, do cervo ou da galinha realmente é triste nesta guerra pela sobrevivência entre as espécies. Ainda mais para o homem, animal dotado de razão. O sentimento, unido à consciência, permite o discernimento e a reflexão, que conduzem à compaixão. Mas não dá para se livrar do fardo de se impor a outros seres vivos. Alimentar-se de vegetais, afinal, é também uma forma de destruir vidas. O vegetal também respira, se desenvolve e morre naturalmente. Assim como destruir florestas inadvertidamente para plantar soja é um crime. Justo a soja, um alimento utilizado pelos vegetarianos para substituir a carne. O jornalista e o escritor têm um dilema semelhante. Como escrever sem expelir um cisco sequer que machuque, obedecendo a uma ética que evita qualquer ofensa, colocando-se totalmente na pele do outro, impedindo na totalidade que alguém se macule? É o ideal, mas é quase impossível. Tento ser assim, me vejo isolado, antissocial até. Sinto às vezes que minhas palavras soam aos outros como as de um padre em meio a um bordel. Para ser jornalista ou escritor, é preciso se contaminar com uma astúcia que, certamente, deixará alguns feridos. Agora, por exemplo, me aventurei um pouco e posso estar melindrando os vegetarianos. As palavras, para ter repercussão, estão cada vez mais carnívoras.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Santo

Para São Tomás de Aquino, o homem, em sua forma material é humano. Em sua forma substancial é divino. Precisa de outros homens para sobreviver. Sua natureza é social. O Estado serve apenas para organizar essa necessidade, em que cada um dá um pouco de si e recebe o que é justo, o que é seu. Esse conceito conduziu a vida de Cristo, possibilitou a Tomás se tornar santo. Todo homem tem o seu lado santo. Todo santo tem o seu lado homem. Basta se abrir para o lampejo divino, ao se desarmar, por exemplo, para um sorriso humano. Ao apreciar a cena de um menino de cabelos lisos se esticar para acariciar o focinho de um cavalo no estábulo. É o toque divino nas mãos de um menino. E se este garoto for um corrupto no futuro? Será um homem que se esqueceu de sua essência santa. Mais um.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Instante

Neymar vinha correndo pela direita, chegou ao fundo já olhando, procurando Ronaldo. Podia cruzar para qualquer um, mas queria que fosse Ronaldo, que se despedia. Mesmo gordo, lento, Ronaldo captou a intenção do menino, fez um esforço genial e surgiu na entrada da área lotada, por entre os zagueiros, como um desbravador de uma floresta. Não gritou, nem pediu a bola. Sabia que ela viria, como veio, tocada para trás, para que ele finalizasse de primeira. Todas essas linhas simbolizam uma conversa telepática, instantânea, entre dois craques, um que surgia, outro que se punha. Como a noite que se transforma em dia, um raro momento de transição. Um amanhecer, que se fez em um sopro.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Álbum

Vejo a foto de uma família no Facebook. Estão encostados em uma cerca, à beira de uma estrada de terra, com campos e montanhas se avolumando por trás. A mãe, elegante em uma blusa de seda branca, calça preta e salto alto. De maquiagem serena, ela usa óculos escuros, com um ar de responsabilidade que parece tentar suprir a ausência do pai. Ela está abraçando seu filhinho, um pequeno menino loiro, cabelos longos, olhar inocente. Uma das mãos o segura, de leve, nos ombros. A outra está entrelaçada em suas mãos. Ao lado das irmãs mais velhas, uma emburrada e outra sorridente, e da avó, também distinta, o garoto parece olhar para mim e me dar um recado. "Vou crescer, o mundo não é só uma fábula de Peter Pan". E ele cresceu, pelo que constatei no site, que hoje propicia verdadeiros álbuns de família em exposição. Está diferente do menino de outrora, entrelaçado à mãe. Seus cabelos ficaram ralos, ele passou por muitas vivências, separações, perdas. Seu olhar ganhou malícia. Suas palavras, ironia. Até certo ponto é triste vê-lo menino, sabendo que um dia aquela foto aconchegante seria apenas uma recordação de adulto, com toda aquela família espalhada, não mais reunida em um único lar. Também eu sinto falta da proteção da infância, apesar de todos os seus percalços. De estar ao lado do meu pai, o Céu, de minha irmã, a Terra e de minha mãe, a Vida. Vi que o menino da foto, sob os braços da mãe - hoje uma velhinha -, desde aquela época me olhava intrigado porque parecia saber muito sobre mim. Daí vinha seu olhar de desafio, um tanto intimidado, sentindo que não iria conseguir me superar, como não impediu muitas frustrações que deixaram marcas posteriormente. Eh...Ele, o menino, já me conhecia. E me emociono ao vê-lo tão menino, como me emociono ao ver meu filho vivendo agora a sua fase de menino. Meu filho é meu Universo. Meu nome é Tempo.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Preguiça

Uns têm preguiça de ler. Outros, de escrever. Outros ainda relutam em se levantar de manhã. Há os que não conseguem se organizar internamente: dá preguiça. Assim como pensar em adversidades e seguir em frente, para muitos, é uma tarefa árdua, tão impossível que os leva a se encostar, buscar o isolamento, a desistência, a acomodação de um bom livro em um café no meio da tarde. Sartre dizia “O inferno são os outros”. É verdade, mas também é infernal olharmos para nós mesmos. Somos muitos outros em um só. Por isso prefiro o bem. Irving Berlin contrariou intelectuais falando das belezas humanas sem ser piegas. Prefiro as letras doces de Berlin, com todo o sofrimento em sua vida, à amargura de alguns filósofos, cujo ceticismo esconde a vaidade e um medo de criança. Só tenho preguiça de explicar por quê.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Julgamento

O amor às vezes já nasce com um quê de proibido. Gera culpa, escapa pelas frestas das aparências e surge em um palco escuro e empoeirado de emoções que tentamos esconder. Há até um filme chamado “O Processo do Desejo”. E no Fórum Judicial, Jurídico e Judiciário da vida, a jurisprudência de minha alma humana se sobrepõe a regras regimentais e antecipa seu juramento. Tiro então a toga de juiz rígido e juro que te amo. E sempre que ouço um “eu também”, me sinto absolvido.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Grandeza

Nunca gosto de ver o sofrimento alheio. Aliás, acho que o futebol, maquiado pelo aspecto lúdico das rivalidades, alimenta o germe que, lá na frente, irá desembocar na intolerância e violência. Mas é um alívio ver o São Paulo um pouco por baixo. Pelo menos minha caixa de e-mails ficará, durante algum tempo, livre daquelas mensagens chatas querendo impor uma grandeza que não está ao alcance de ninguém.