quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Soldado

Senti-me um palestino sob suspeita. O segurança da escola era um israelense bastante seguro de suas convicções. Como são tantos formados em um clima de desconfiança e sob uma armadura de certezas e praticidade. Isso é assim, aquilo é assado...O olhar duro sempre me perseguia no momento em que eu buscava o meu filho no portão. Talvez se irritava com meu estilo um pouco desajeitado, com alguns questionamentos ingênuos, que podem significar um desvio na conduta rígida em que ele foi moldado. Ele gostava de encontrar uma acusação sutil para mostrar sua razão, baseada em convicções que pareciam límpidas em sua mente. Era, no fundo, um conflito conceitual. Acusava-me de demorar para entrar com o meu menino no carro. E eu, esbaforido, via aquele homem de blusão solto, calça larga e tênis táticos, de borracha, se aproximar, com o rádio na mão. Enquanto isso, buscava quebrar recordes mundiais nessa modalidade, colocava rapidamente a criança,  jogava a mochila,  fechava a porta com precisão, dava a partida e...vinha ele, antes de eu acelerar, dizer que eu estava demorando, que a fila tinha de andar. Sem um pingo de reconhecimento. Uma vez, busquei uma trégua, falando sobre definições religiosas, mas ele, como sempre, foi duro. Com olhar de aço, confirmando o estilo militar dos cabelos raspados nas laterais, tentou esvaziar o que eu falava. E disse: “eu já sabia disso, no exército os soldados costumam brindar dessa maneira”. Não me dava moleza. Via-se guardião da verdade humana, de forma simplista. Imaginei que em algumas vezes soldados israelenses, no direito de Israel de se proteger, podem tratar assim alguns palestinos, antevendo neles a desordem e, com esse conceito, sentindo-se com o dever de expulsar, de rechaçar, de dizer que sabiam como os outros eram e por isso agiam dessa maneira. Até que, outro dia, quando deixei o carro para ir ao banheiro no hall da escola, o flagrei na volta em frente ao meu carro. O horário da saída, por alguns minutos, ainda não havia chegado. Era permitido estar ali estacionado. Mas ele já formara sua sentença. Imaginou que eu deixara o veículo lá, subversivo, sem dar a mínima para a fila que se formava atrás. Mil afirmações se multiplicavam em sua cabeça, enquanto “secava” o carro, me recriminando por eu estar longe. Sem perceber que eu voltara, com o meu pequeno. Bem ao seu lado, bem antes do tempo. Observando-o, só esperando ele sair para que eu pudesse entrar. Foi doloroso constatar sua surpresa ao me ver. Um sorriso amarelo se desenhou por trás daquele rosto outrora imperturbável. Ele corou. Um pouco, mas corou. Senti compaixão por aquele rubor. Quem era ele? Com quem morava? Sobre o que conversava? O que teria perdido por aí na vida? Quem guardava no porta-retratos de sua cabeceira? Pensei que ele poderia amar a noite e se lembrar de algo triste com as chicotadas dos raios de sol. Ou o contrário. Emergiu a fragilidade das dúvidas que ele tanto buscava ofuscar em seu método pragmático. Intuí a cultura de quem tem medo de ser atacado. E precisa se mostrar imperturbável. Descobri que, por mais treinado, ele poderia ter pânico, que sentia frio, que sentia fome. Que sentia um vazio em vários momentos. E que não encontrava técnica para resolver isso. Pela primeira vez, o peguei desarmado. Senti-me um palestino sob suspeita, que escapa por pouco. No justo momento em que se antecipa a uma abordagem belicosa. E fiquei satisfeito. Fosse mesmo eu um palestino, e o soldado me olhasse revelando sua alma,  teria encontrado a chave que resolveria tudo. Em vez de guerrear com ele, eu lhe daria o meu abraço.

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Caminhada

Traição. Mesquinhez. Falta de educação. Egoísmo. O vencedor é aquele que não se abala com os absurdos do dia-a-dia. Sem, no entanto, aderir a eles.