quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Meu

Meu Corinthians tem a cara de um menino de cabelos claros, olhos verde-escuros e magro. Meu Corinthians já chorou quando minha avó morreu, em 1979. Da casa do tio, perdeu as forças e se viu derrotado pelo Palmeiras, por 3 a 1. Esse mesmo Corinthians me fez tirar uma nota 7.9 de Matemática, suficiente para não ficar de recuperação. Para comemorar, à noite, foi ao Pacaembu para empatar com a Francana por 1 a 1. Mais importante do que o resultado, para ele, foram o olhar alegre do meu pai e os parabéns que ouvi por ter passado de ano. Meu Corinthians, entoando seu hino na festa no bufê, comemorou comigo meu bar-mitzvá em 1982. E no mesmo ano, como bom brasileiro, chorou muito na derrota da seleção para a Itália. Chorou inclusive por Sócrates, nosso maior ídolo e camisa 8 do Brasil. Meu Corinthians me viu apaixonado por uma moça em 1990 e, solidário, quase não ligou para o seu primeiro título brasileiro. Anos depois, no entanto, sentiu orgulho nas conquistas de 1998, 1999 e 2000, já se iniciando na profissão de jornalista. Meu Corinthians apareceu na sala de reuniões, enquanto eu levava uma bronca do chefe. Acalmou-me nos momentos difíceis, dizendo que há muita coisa além da vaidade humana, inclusive um simples jogo de futebol. Meu Corinthians obrigou meu pai a se tornar corintiano. Por minha causa. E nem ligou quando viu meu filho se tornar santista. Por causa do meu pai. Meu Corinthians ondulou por toda a minha vida. Presente em muitos momentos. Ausente em outros. Esquecido em alguns. Generoso sempre. Era só chamá-lo que ele sempre se punha à disposição, para me orgulhar ou me consolar, como um bom amigo. Assumiu os erros quando me entristeceu. Deu a volta por cima quando tudo pareceu perdido. O Corinthians é o verdadeiro fiel. Pela paciência de me ensinar a ganhar e a perder. A lembrar e a me esquecer. A nunca desistir, tampouco me acomodar. Em seu caráter paradoxal, democrático, ele conversou comigo em um sonho, após ser campeão mundial no Japão. Com seu traje de mosqueteiro, um rosto maduro e sereno, sussurrou para mim palavras de humildade, no seu momento de glória maior. A madrugada soprava uma brisa refrescante. Estávamos só nós dois, eu e o meu Corinthians, nas arquibancadas do estádio de Yokohama vazio. O jogo acabara naquela noite. “Fora das quatro linhas, me transformo em um exemplo para você, nada mais do que isso”, disse. “As coisas continuam não sendo fáceis, é preciso seguir na luta”, repetiu. Por isso agradeço ao meu Corinthians. Ele me dá tudo o que pode. Inclusive a consciência de saber que não pode resolver minha vida. Mas muitas vezes ajudou a resolvê-la. Meu Corinthians tem uma força divinamente humana. Acho que o meu Corinthians é especial por isso. Porque meu Corinthians é um time de tanta gente. E também de cada um.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Comissão

A Comissão da Verdade brasileira não pega porque verdade sem justiça, neste caso, leva ao desinteresse e acaba se tornando uma meia-verdade.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Chicote

O corintiano gastou uma fortuna para ir ao Japão. Fez um grande esforço, desmarcou compromissos, deixou a família por uns dias para ver seu time de coração lutar pelo título mundial. Postou a chegada de seu grupo ao aeroporto, com entusiasmo e esperança. Estava orgulhoso de sua iniciativa. Um grande amigo seu, no entanto, não viu desta maneira. Comentou o post dizendo que iria secar muuuuuuuitoooo o Corinthians. Era são-paulino. Por isso mesmo, orgulhoso de si, não preferiu apenas desejar um cordial "boa sorte". Sua visão de mundo tricolor o impediu de perceber o tamanho da decepção do “amigo” caso o Corinthians perdesse. Tampouco tudo o que ele investira na empreitada. A rivalidade perdeu o limite. Tornou-se egoísta e cega. Virou uma brincadeira de mau-gosto. Explodiu a generosidade. O pior é que se apresenta como um padrão para parte da sociedade, que a aceita passivamente. Passa por cima dos sentimentos sem nenhum problema. Esmaga identidades na roupagem de piada. Açoita expectativas alheias como quem chicoteia com um sorriso. Ela quer ferir, não importa quem seja. Depois dizem ser esta a graça do futebol.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Vento

Muitas pessoas se acomodam na ideia de que desejam boas notícias aos outros. Mas nunca as trazem.

Ventania

Muitas pessoas se acomodam à espera de boas notícias vindas dos outros. Mas nunca as procuram.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Estranho

Que estranho existe em meus sonhos, escondido, pensando em fantasmas que já morreram, aprisionado em um passado imaginário? Acorda, no meio das noites, sufocado por um soldado sanguinário de Roma. Ou por um inquisidor medieval. Ele se imagina estranho, gauche como diria Drummond. Necessitado que o conduzam, tal qual um cadeirante definhando na vergonha. Ele acredita ser o avesso do avesso de Caetano. O inverso do sucesso de Armentano. O estranho afundou sua imagem no espelho distorcido do Monte Serrat. Pensa que é estranho a si mesmo. Não se permite ser o sorriso cativante da modelo. Nem o drible fantástico do craque. Tampouco o diploma ostentado no escritório do grande médico. Ele até gostaria de ser o prêmio na prateleira do escritor renomado. E o dinheiro a dormir nos cofres do banqueiro. Aceitaria, de bom grado, ser a esperança que pulsa no coração do jovem. Mas não consegue. Pensa que é o último dos últimos porque nunca se aceitou. O estranho, por medo, esconde seu potencial. Ele adia, desvia, me expia, me irrita e evita o encontro comigo. Escapa pelo vale infinito de suas divagações. Mente para si, apenas ostentando seu conhecimento do mundo exterior. E para mim, quando cobre com um manto seu universo interior. Vem sempre com respostas evasivas. Óbvias até. Filhas do psicologês, como “preciso ter confiança em mim”. Mas, na real, desemboca na velha desculpa, no momento de se expor de corpo e alma. “Hoje eu não posso ir até você”, repete, como um fantasma da ópera traumatizado. “Não tenho tempo”, dramatiza, esquecendo-se que ele é o próprio tempo perdido. Igual à fera enjaulada em seu castelo por séculos. E eu insisto, há milênios, no papel de um heroi cavalgando em busca de seu ideal. “Estranho, venha a mim, quero conhecê-lo”, clamo. As palavras ecoam por montanhas, cidades, batem em muros, cavam túneis, navegam por mares, retornando sempre opacas e solitárias. Roçam meu peito como frágeis pedras de gelo e desmaiam derretidas no chão. Não desistirei desta aventura, porém. Até um dia eu deixar de ser um estranho para ele. E poder enfim, me ver por inteiro.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Empolgação

Aeroporto de Bogotá. Olhei pelo vidro a periferia da cidade. Uma para os que estão em trânsito. Outra para os que estão no trânsito. Para mim, era sensual como o rebolado de Shakira. Tudo me fascinava. O carpete avermelhado. As poltronas da espera. As lojinhas dos corredores. CDs de Juanes, artesanatos, livros de Garcia Márquez. Exemplares de El Espectador. O iogurte da Alpina. A seiva do país no saguão, projetando a alma das ruas. Acorde de cúmbia que enchia minha mente. Shakira, você diz que a cintura não mente. Ela aponta o rosto da mãe África no coração da América. Mistura étnica e de cores que convidam antropólogos. Peles morenas. Cabelos negros. Sorrisos brancos. As luzes se acenderam com a noite. Admirei a estampa da Avianca em minha mala. Sentia  o país em minha bagagem. Ri. Um garoto com o cabelo do Valderrama corria entre as cadeiras. Meus problemas flutuavam distantes. O caos do Brasil estava bem pra lá do Equador.  Eu transcendia em outro país. Guardas com quepes e uniformes pretos circulavam naturalmente. Com eles, os cães cheirando sacolas, pacotes, pessoas. Bebi um café e...tudo mudou. Da água para o vinho. Caiu um pouco na minha roupa. O cão, então, latiu em minha direção. O guarda me levou para uma saleta. Despi-me, fui revistado. Abri a bagagem. Só queria uma coisa: falar em português. Mas me exaltava em portunhol. Precisava reencontrar minhas raízes. Até há pouco, pensava que elas estavam na Colômbia. Mas não existe jogador bom com cabelo de urso. Pura empolgação de viajante. Queria voltar logo para casa. Rever meu filhinho. Para quem, aliás, eu sempre disse que café é uma droga. Shakira...suas cinturas mentiram para mim.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Banheira

Ninguém daria nada pela pança e a cara redonda. Ar de surfista aposentado. Cabelos loiros bem curtinhos. O apelido? Vanusa.  Mas ele nem ligava. Fingia ficar bravo para depois soltar uma brincadeira. A verdade era que o playboyzinho não jogava nada. Vivia no parque, com a camisa na mão, de bermuda e tênis sem meia. Conversava sem diferenciar grupinhos de garçons, pedreiros ou engenheiros. Às vezes até fumava com os caras lá atrás das árvores. E quando saía já se enturmava no jogo. Campo de terra batida. Fincava-se lá no canto, tipo banheira, pedindo bola. E o pior é que ela vinha. Ele chutava de canela. Cruzava torto.  Acertava a orelha da menina, ela pegava um efeito estranho e saía.  Ele, então, olhava para o outro lado. Fazia cara de paisagem. Incrível era participar de todo jogo. Até a bola, tão maltratada, parecia gostar dele. O cara vencia a grossura apenas com seu ritmo de maresia, na base do papo amigo. Seus xingamentos eram bravatas, levantavam o pessoal, que continuava a passar a bola. “Pô, vai se....” gritava, todo prosa, quando o passe vinha errado.  Jeito de moleque em corpo de cinquentão.  Não se envergonhava em dar de dedinho, de rosca ao contrário. Furava, escorregava.  Continuava acionado. E exalava seriedade antes do encontro desastrado. Quando marcava gol, a festa e a gozação eram gerais, tamanha a raridade do feito. Mas insistia. Resistia. Acreditava e se divertia. Quem jogava bem eram os outros. O Negão, cheio de domínio de bola. O Batuta e o seu drible mágico. O Alê, esbanjando visão de campo. Quase se profissionalizaram. O time era supimpa. Mas o centro da pelada era ele. Ele se garantia. Sempre se encaixava, cativando e integrando o espírito da brincadeira àquelas tardes sem fim. Estando ou não empregado. Feliz ou triste no amor. Ele não tinha toques mágicos. Faltava-lhe faro de gol. Porém lhe sobrava a espontaneidade do futebol, que fazia daquele perna-de-pau o jogador preferido do parque.