terça-feira, 12 de maio de 2015

Prazer

Uma reunião de taxistas em frente a uma garagem aberta chamou minha atenção naquela tarde ensolarada. A rua, normalmente tranquila, ficou mais movimentada, com um certo congestionamento que logo se desfazia quando os motoristas deixavam o local.

Estavam lá provavelmente para renovar algum certificado. E enquanto esperavam, aglomerados, iam colocando o papo em dia.  Fui passando de carro, lentamente, quando vi de relance dois deles conversando sobre algo e logo se despedindo.

Um ia entrar no pátio, o outro ia seguir para o batente. Era um contato amistoso, afetuoso, um vínculo que se mostrava de longa data naquela relação de trabalho.

Encostei rente à guia rebaixada, só para observar os dois senhores. Semelhantes. Simples. Cabelos grisalhos, óculos clássicos e camisas sociais de manga curta. Tinham seus próprios interesses, seus pensamentos, sua filosofia embebida pelo convívio popular. Mas, mais do que tudo, não me conheciam.

Nem sabiam da minha existência. Viviam completamente independentes daquilo que eu fazia, do modo como eu agia, do que me fazia alegre ou triste.

Então me veio uma sensação inédita de minha insignificância no mundo. Como eles, bilhões de pessoas viviam ao largo da minha presença. E aquela breve conversa dos dois amigos taxistas simbolizou esta situação, um tanto dolorida.

Me veio a certeza de que meus sonhos são tão grandes, mas não os alcançavam. De que a ponta de meus valores éticos nem roçava nas suas ideias. Eles existiam completamente alheios a todas as minhas convicções, sem conhecerem o meu jeito de falar, sem admirarem as minhas palavras, sem interesse no meu passado, sem expectativa no meu futuro.

Viviam na total ignorância a meu respeito, nem imaginando se entendo ou não de futebol, de política, de manifestação, sem saberem do meu amor paternal, nem dos textos que escrevo. E sem lamentarem a minha ausência.

Imaginei que poderia aparecer na frente deles, falar algo, fazer alguma brincadeira, para quebrar esta distância para sempre. Nunca mais ficariam sem nunca terem me visto. Por isso, por dignidade, fui. Enquanto caminhava, quase desisti, esperando uma reação medieval tão comum.

Mas continuei, na tentativa, ainda que descrente, de diminuir pelo menos um tantiquinho assim a minha inexistência.

Ao me verem, porém, os dois estamparam um sorriso universal de acolhimento e, por que não dizer, de reconhecimento. E falaram três ou quatro frases cordiais dirigidas, na convenção fraternal de um encontro.

Como representantes da entidade, me disseram: fique à vontade, procura alguém?  Respondi, elogiando a união da classe. Fiz minha voz chegar a eles para sempre e me despedi, com o velho aperto de mão.

Na volta ao carro, driblando o trânsito, senti que carregava algo transformador. Era uma vontade de repetir a cena com cada um dos bilhões habitantes deste planeta, buscando o gesto simples da integração, um pouco difícil de se ver hoje em dia.

Veio um desejo de cumprimentar a todos, do Nepal ao Havaí, como uma missão de Forrest Gump dos apertos de mão.

Meu objetivo tinha ido além. Atirei em uma árvore, colhi frutos em outra, unificando reinos, vencendo a tal voluptosidade medieval do Game of Thrones do nosso dia-a-dia.

Percebi que, na verdade, de alguma maneira, todos nós nos conhecemos. Mesmo sem, na imensa maioria das vezes, nunca termos sido apresentados um ao outro.