sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Mudança

Lá, no portão, ele conheceu um menino de cinco anos e o ensinou a dar elástico logo depois, no quintal. Cercado de árvores do terreno atrás, jogava bola, ele contra o menino e o tio, que não venciam nunca. Lá ele teve seu filho, jogou botão na sala, ouvindo ele dizer "vale a três", assistiu TV com o pequeno no colo, acompanhando todos os jogos, a Eurocopa, as vitórias do Santos, os gols do Neymar e a trajetória dos clubes brasileiros. Fazia o garoto dormir no quarto, ouvindo músicas juntos ou contando histórias. Lá ele recebeu seus familiares, sua tia querida, seu amigo que levava as crianças ao Mac, sua mãe, sempre atenciosa, em almoços e jantares. Lá ele se divertiu, brigou e se reconciliou com sua esposa e consigo mesmo, sob o olhar das estrelas do bairro arborizado. Lá ele viu a moça que cuidava da casa acompanhar tudo com carinho e dedicação. Foi assim que ele amou esta casa. E percebeu que o amor por uma casa aumenta ainda mais no momento da mudança. Simplesmente porque, além dos móveis, dos ambientes e das recordações, quem estava com ele lá dentro vem junto.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Lembranças

Eram saídas tão agradáveis que o irmão mais velho, de 10 anos, não queria que o mais novo, de três, se esquecesse. Iam semanalmente ao McDonalds, com o tio. Conversavam, divertiam-se, comiam de tudo. Um dia, o mais velho comentou para o menor, mastigando um Big Mac. “Sabia que quando você tiver 10 anos você não vai se lembrar que ia ao McDonalds comigo e o tio às quartas-feiras?” “Vou, claro”, respondeu o menor. “Não, porque não me lembro de quase nada de quando eu tinha três anos, então você vai esquecer”. Então o pequeno, com olhos volumosos e um sorriso largo olhou para o tio. “Claro que vou lembrar. Imagina se vou esquecer”. O tio concordou com o menor de brincadeira, achando que o maior poderia ter razão. De qualquer maneira, o papai intrometido preferiu contar tudo isso, para eternizar a história. E tirar qualquer preocupação do menino maior. Seria uma forma de recado. Do tipo: fique tranquilo. Seu irmãozinho, quando crescer, poderá não se lembrar da agitação da lanchonete. Até não saberá, talvez, se comia batata frita ou nuggets. Mas não vai se esquecer de que, naquelas tardes, as brincadeiras, as briguinhas e a companhia do irmão eram o seu maior alimento. Cujo sabor ficará tão marcado em sua memória que, ouso dizer, ele nunca vai se enjoar do Mc Donalds.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Cobranças

Ela agia como uma criança e cobrava dele como um adulto. Ele agia como um adulto e cobrava dela como uma criança.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Misturas

O enredo de A Carne, naturalista, tem um quê de romantismo quando Manduca morre de amor por Lenita. Em Iracema, o romantismo de Alencar dá espaço para o naturalismo na descrição dos mares bravios, do canto da jandaia, dos coqueiros do Ceará. Não há escola, não há sentimento que não se complete com um contraponto. É por isso que Raul se viu como tudo e nada. É por isso que Sartre escreveu sobre o ser e o nada. É por isso que a razão de Goethe tinha como fonte a emoção. É por isso que Bergson via intuição na matemática. E que von Herder via inteligência na bondade. É por isso que o ódio se transforma em amor. E o ato de tolerar, em maneira de amar. E assim, judeus e árabes são irmãos. E a luz não existe sem a escuridão. Tampouco um problema, sem a sua solução. Afinal, o que arde cura, o que aperta segura. É por isso que Luzia-Homem era força masculina e formosura feminina. E que o homem Gil cantou seu lado mulher. E que o azul gremista admira o colorado, vermelho cor do nosso sangue. E vice-versa, antes que reclamem. É por isso que no seu sorriso há alegria e tristeza. E no seu corpo, calor e frieza. É por isso que o vento pode ser suave como a voz de Anderson Silva e agressivo como a tempestade de seu soco. É por isso que o silêncio da madrugada é tenebroso e belo. É por isso que o homem traz o mar salgado em suas lágrimas. É por isso que do sonho surge a realidade, que em giros dançantes volta a ser sonho, me conduzindo pela vida, ora inebriado, ora assustado, ora preenchido de esperança, ora no vazio da angústia, tudo isso unido na minha alma, errante como um cavalo galopante e fixa como uma bandeira tremulante. Algo comum está presente. É por isso que o espírito e a matéria se entrelaçam, se fortalecem, têm continuidade. É por isso que eu encontrei você.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Possessivos

Os torcedores que só pensam nos seus times e desancam um bem maior, a seleção, refletem a nossa era do I (eu). Os clubes se tornaram símbolos de um eu possessivo e egoísta, preocupado apenas com a própria comodidade. Assim se multiplicam os iphonesipods,  i-touch tables, i-trends, e tantos outros itens que são importantes, se bem usados. No futebol, o clube já não é tanto uma agremiação que disputa com o que já se chamou de coirmão. O clube e o torcedor, hoje, formam um único ente, o i-club. É por isso que Neymar foi vaiado no Morumbi.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Conjugação

Para os que não olham para o outro, segue uma conjugação do verbo excluir. Tu excluis, ele exclui, nós excluímos, vós excluís, eles excluem. Eu não excluo. Eu me incluo. Ou tento.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Admiração

As pessoas em geral admiram aquele que se deixa ser admirado e achincalham, com ou sem palavras, aquele que mendiga admiração.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Técnico

O trabalho de um técnico é fazer o time jogar sozinho, com individualidades solidárias, munidas de bússola para navegar em mares turbulentos e de um piloto-automático para voar pelos céus de brigadeiro. O técnico é um altruísta, coadjuvante cujo prazer é perceber que o time não precisa dele. Que ninguém reclame quando o compararem a um pai.