quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Profissões

Um bom escritor se pergunta constantemente: eu sou escritor? Um bom cantor faz o mesmo: eu sou cantor? Situação similar é a do ator: sou ator? A prostituta também se rende à pergunta, por de trás da maquiagem que disfarça sua tristeza. Esta sou eu? Vida... espécie de pirotecnia em que nos questionamos constantemente, em busca do desenvolvimento pessoal. Procuramos nossa origem tal qual os personagens de Pirandello. Há casos, no entanto, que a pergunta muda de feição. Em vez de aferir quem somos, tenta entender quem nos tornamos. Vale, por exemplo, para médicos sem idealismo. Isso é Medicina? Ou para a falsa moral de jornalistas. Isso é Jornalismo? Não sei as respostas, afinal nunca fui médico. Conheci um, e dos melhores, o meu pai. Quanto à outra, nem sei mais se sou jornalista, na acepção do termo. Quem eu sou? Mas não paro por aí, porque o jogo é para todos. Quem é você?

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Aparências

Sem tempo de escrever o que a passagem do tempo me faz esquecer. Sem tempo de reivindicar o que o dito pelo não dito me fez acreditar. Sem tempo de responder por que ousei telefonar. Sem tempo de ser atendido por aquele que não soube me informar. Sem tempo de entender o que o telemarketing não quis explicar. Sem tempo de esconder aquilo que eu mesmo evitei encontrar. Sem tempo de chorar pelos sorrisos que me obriguei ocultar. Sem tempo de  comunicar a raiva  que insisto em esmagar. Sem  tempo para palavras que vão além do twitter mental. Sem tempo de amar, por medo de parecer sentimental.

sábado, 24 de agosto de 2013

Direções

Se alguém lhe sorri pela frente, pode lhe fazer careta pelas costas. E você fica sempre a ver navios. Navega, navega e não encontra respostas. Na saída de Sodoma anjos disseram. Não olhe para trás para assim vencer o mal. Vá na direção que aponta a estrada. Não transforme sua lágrima em estátua de sal.

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Confusão

O advogado tributarista a excluiu de seu facebook antes que ela continuasse a esnobar seus telefonemas. Ela, empresária de curvas e orgulho realçados, ficou indignada. Contou para seu irmão, diretor de uma multinacional, que fez questão de excluí-lo daquela rede social, como represália. Fim de uma amizade de longos anos entre ambos, o advogado e o diretor. Mas não ficou por aí. Ofendido, o advogado contou o o que aconteceu, via mensagem inbox, para a prima do diretor, que fora sua namorada. Ela não titubeou e, tomando as dores do antigo parceiro, quem sabe alimentando alguma esperança, apagou o primo de sua relação de amigos. O primo, ou melhor, o diretor, se sentiu traído. Desabafou o ocorrido para o seu melhor amigo, um jornalista, também amigo da prima de um e ex-namorada do outro. O jornalista não teve dúvidas em dar razão ao amigo e de uma vez deletou a amiga e a irmã dela. Esta não entendeu nada. Apenas ficou possessa e exigiu que seu marido arrancasse a irmã do jornalista de seu círculo eletrônico. A irmã, que no início não tinha nada a ver com a história, contou para o pai, um velho comerciante do ramo de tecidos que só agora tinha aderido à internet. Ele, com seu bigodão e seu corpo atarracado, sempre resistira à informática, temendo se mecanizar com o mundo dos tablets e i-pods. Sua linguagem simples sempre lhe dizia que tudo aquilo é invencionice e o que vale mesmo é o olho no olho, o aperto de mão. Ainda assim, entrou na onda e clicou pelo desaparecimento (de quem mesmo?) do...amigo da filha, marido da irmã do jornalista. O universo da tecnologia é mesmo dinâmico. Pessoas se encontram e se despedem em um clique. Tudo parece rápido, prático, o circuito dos vitoriosos. Mas no fundo um descarte de alguém no facebook também significa uma ofensa. Como era antigamente uma carta não respondida. O ser humano continua o mesmo, apenas com outros instrumentos, mais exuberantes e tecnológicos. Quase mágicos. Quase, porque o sentimento jamais será digital. No fim, quem se deu mal foi o pobre senhor, comerciante das antigas e pai exemplar. Justo ele, tão resistente à nova era. Perdeu a causa em um processo que movia há anos para recuperar uma venda bloqueada pela Receita. Quando foi ver, o excluído de seu face era ninguém menos do que o advogado tributarista, seu defensor. Este mundo virtual é mesmo muito pequeno...

sábado, 17 de agosto de 2013

Parado

Entro no metrô apinhado. Tenho claustrofobia. Bolsas, mochilas, cachecóis e sobretudos remetem a uma tarde fria. Mas estão longe dela naquele momento.Viro de lado, todo espremido. Incomodado, estico os braços e me seguro na barra de ferro.O trem entra em movimento. Solavanco. Aquele silvo do ferro nos trilhos. Aquela sensação de estar em uma montanha-russa. A mão escorregando, o corpo se segurando. Um leve enjoo emerge da velocidade desenfreada. Então a composição para, no meio do túnel. Repentinamente. As respirações ofegantes se cruzam. Assim como os olhares. Sufocado, olho para a moça de jeans e suéter preto. Seu rosto tem espinhas, os dentes mostram um aparelho enquanto ela fala no celular. A proximidade dos passageiros faz com que se conheçam um pouco. Um praticamente se enrosca no outro. As marcas da pele, os pelos no rosto, as falhas nos cabelos. Até lágrimas não detectáveis à distância driblam a maquiagem das moças. O batom borrado, as unhas pintadas, os decotes, os gostos, os livros. Olho para o homem de cara gorda, comunicativo, que me diz que este trem é das antigas. Peço ajuda com o olhar. Quero gritar. Está tudo parado. Pela janela, vejo apenas as paredes escuras embaixo da terra. Imagino a agonia que os judeus não sentiam ao serem enviados aos campos de concentração em trens imundos e lotados. A impessoalidade dos condutores me faz lembrar da frieza nazista. Nem uma palavra de conforto. Nem mesmo uma explicação, dizendo “calma, estamos resolvendo tudo e vocês estão seguros”. O silêncio traz a mensagem cifrada de que este é um serviço público, já estamos fazendo o favor de levar vocês por um salário baixo, portanto aguentem. Ou, simplesmente: “se virem”. Viro-me, com esforço, encosto em um senhor pobre, barba rala e branca, rosto desgastado. Ele não parece preocupado. E nem me acolhe com um gesto amigo. Olho de um lado a outro em busca de aconchego. Fico imaginado se, caso me desespere, serei auxiliado ou passarei vexame. Não arrisco desafiar aquela urbanidade impessoal. Resisto. Desvio dos meus pensamentos do tipo: “e se nunca mais você sair daqui?”. Sinto o suor por debaixo de minha camisa. A angústia começa a ficar insuportável. Até que, enfim, irrompe um barulho de despressurização e a embarcação anda. Devagar, parecendo ser empurrada. E finalmente chega à plataforma. As portas se abrem, o frescor da noite entra no vagão e alivia. Eu não pago para ver. Já paguei, e para sair. Desço na hora. Sinto o corpo trêmulo, as pernas bambas, como se chegasse de uma tensa viagem de avião. Observo o trem se distanciar e a multidão se aglomerar a espera do próximo. Preferi voltar a pé, cansado após um longo dia. Temeroso em passar vexame, diante de falha tão corriqueira. Ainda mais claustrofóbico. Já eles, ficarão. De um jeito ou de outro, coitados de nós.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Skype

Um livro é uma entidade física, a interagir conosco como se fosse alguém. Por isso ler um e-book é como conversar com outra pessoa por skype. Algo importante, mas incompleto.

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Banda

Chova ou faça sol. É um respondendo à altura para o outro. Ninguém levando desaforo para casa. Cada qual achando que está certo. Os olhares retos, para o alto. Malignamente competitivos. Se desviados, não mostram acolhimento. As falas duras, no máximo meramente profissionais. As aparências emergindo das sombras interiores para tentar demonstrar superioridade. Então vem o papa, prega humildade e todos admiram, reverenciam, multiplicam juras de mudança. Basta ele ir embora e tudo volta ao normal. Uma imensidão de farpas e um latifúndio de indiferença voltam a pulular pela mídia, nas esquinas, nos escritórios. Como se a responsabilidade fosse dos santos, não nossa. Depois da banda passar, cantando coisas de amor...depois da banda passar cantando coisas de amor...

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Modernidade

O rio corta a mata. As folhas roçam a água. A brisa conduz o barco. Uma linda mulher e um homem. Um clima de contemplação. O amor é sempre romântico, seja ele bucólico ou pop-punk. O amor é sempre moderno. Atualiza-se em nossa alma dia a dia. Atrás de novidades. À espera de um sorriso, um gesto, um aceno, que colorem e enlouquecem nossas vidas como se elas fossem os trajes psicodélicos de David Bowie. Modern Love, com outra roupagem, mas com a mesma essência...

http://www.youtube.com/watch?v=PW8pEV6B2Ew

Otimismo

Um santista me disse que vê o lado bom da vida e que por isso não achou tão ruim os resultados do Santos contra os últimos dois campeões mundiais: uma derrota e um empate...

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Subterrâneos

Segundo o jornal Valor Econômico, São Paulo tem 74,3 km de metrô, desde que a cidade começou a construção deste meio de transporte, em 1970. A Cidade do México, que iniciou os trabalhos no mesmo ano, chegou a 226 km. Tóquio tem 328 km de linhas de metrô. Nova Iorque, 337 km e Londres, 402 km. Em cerca de cinco anos, Barcelona remodelou seu sistema metroviário, que totaliza 113 km, visando à Olimpíada de 1992. O mesmo Valor Econômico constatou que, em São Paulo, para cada km de metrô ser construído demora em média 1,7 ano. Se as denúncias sobre cartel e licitações em São Paulo forem comprovadas, aquele execrável chavão de malufistas, o "rouba mas faz", voltou piorado. Agora seria o "rouba e não faz". Parece que a única coisa que a política de transportes brasileira e o metrô têm em comum são os subterrâneos.

Jogador

Estou de volta. Sem emprego, sem amigos, sentindo-me como um ex-jogador famoso no esquecimento. Mas há diferenças, nunca fui famoso. E ainda estou no jogo.