quinta-feira, 28 de março de 2013

Funcionais

A Suécia é uma monarquia constitucional, mas o poder maior está no seu Parlamento (Riksdag). São os deputados que escolhem o primeiro-ministro e elaboram as principais leis. Cumprem apenas a função, sem abusos. Não há luxo. Os apartamentos funcionais em que moram variam de 18 m2 a 40m2. São quartos-salas, sem máquina de lavar. Para utilizar a lavanderia comunitária, é preciso marcar hora. Lá, a roupa-suja é lavada em lugar correto. E a sujeira não fica escondida... Até os anos 90, os deputados dormiam no gabinete, utilizando sofás-camas. Eles não contam com secretária, assessor ou carro oficial. Já o primeiro-ministro é um pouco mais "privilegiado". Mora em uma residência de 300 m2, mas também realiza as principais tarefas domésticas. Isto explica em parte por que a Economist Intelligence Unit, em 2006, colocou a Suécia no primeiro lugar do Índice de Democracia, entre 167 países. E também mostra que o período dos vikings, rotulados como guerreiros brutais, faz parte do passado para os suecos. Hoje, os saqueadores do dinheiro público estão em outros países. Um deles, conhecemos bem. 

sexta-feira, 22 de março de 2013

Trocas

O mau trocadilho serve para apontar algo no outro e esconder algo de si mesmo. O bom trocadilho faz o inverso, aponta algo de si mesmo. Não troca de lugar com o outro.

quarta-feira, 20 de março de 2013

President

Todo dia eu curto Barack Obama no Facebook. Todo dia me sinto orgulhoso de viver na era de Barack Obama. Ele simboliza conquistas há muito sonhadas pela humanidade. Está no patamar de Lincoln e de Franklin Roosevelt. No nome, carrega o árabe Hussein e o hebraico Barack. Chega até perto do inimigo Osama. Seu sangue e sua visão aglutinam etnias, de forma aberta, firme e democrática. Com estilo, ele encara as resistências dos mais poderosos sem o pendor para a ruptura. Ouve o que não quer, com tolerância. Atua pela regulamentação financeira, obteve conquistas sociais, abriu debates sobre desarmamento. Insistiu na reforma da saúde. Valoriza os direitos humanos. Zela pela diversidade de origens e de ideias. E não perdeu o foco na luta contra o terrorismo. Acima de tudo, e das controvérsias, Obama representa uma mensagem construtiva. As falhas, é claro que existem. Algumas promessas não foram cumpridas. Mas sua passagem pelo poder já abriu novos horizontes de uma sociedade ainda problemática. Seu mandato deixará saudades ao mesmo tempo em que entrará para a história. Portanto, aproveitemos o momento para refletir sobre este privilégio e agir por um mundo melhor. E você, já curtiu Barack Obama hoje?

terça-feira, 19 de março de 2013

Criativos

Na minha infância, craque significava criatividade, arte e, na grande maioria, flutuava entre as intermediárias. Seu universo era aquela parte do campo, restrita fisicamente, mas ampla no seu imaginário espetacular. Ele vislumbrava, com um olhar, o cosmos do jogo. Resolvia um lance na velocidade instantânea de uma estrela cadente. Iluminava uma noite com sua galáxia imprevisível de passes, dribles, lançamentos longos, como se fossem naves aterrissando em planetas repentinos, surgidos apenas quando a bola lá pingava. Antes, estavam adormecidos para os olhos comuns. Mas não para ele, que já parecia antecipar o 3D. A bola e o jogo rodavam na órbita de seus pés. À plateia e aos outros, estes obedecendo a lei da gravidade, só restava admirar os rodopios, as trajetórias impossíveis, as parábolas, as passadas intuídas, medidas, precisas e naturais do astro maior. O meia, clássico e incontestável, hoje minguou nas mãos dos treinadores. Alguns destes talvez nem saibam o que é fazer a bola flutuar. Acham esta metáfora ridícula. Fico pensando em que posição atuariam Zico, Pelé, Rivellino, Sócrates e Falcão hoje. É quase certo que, nesta revolução às avessas que sedimentou o meio-campo com o concreto da marcação, seriam deslocados para o ataque. Zico, Pelé e Rivellino seriam atacantes. Sócrates, talvez nem fosse escalado. Bem ele, antes centroavante, deslocado para a meia justamente pela visão sábia de Telê. E não duvido que Falcão ficasse fixo, próximo da área, deixando que os outros se digladiassem atrás dele. Para mim, traumatizado com a impiedosa caça aos meias criativos, não precisa muito para o técnico ser bom. Basta ele colocar Ronaldinho Gaúcho na meia, por exemplo. A única instrução seria: "jogue o que sabe, meu filho! Seja apenas você." Cenas assim hoje são milagres. Futebol e alegria combinam cada vez menos. Ou o meia criativo vira atacante rompedor ou volante marcador. Ou reserva, nem mais de luxo. Apenas para entrar e "cadenciar" o jogo. Seu futebol leve se torna um peso. Ele passa a amargar a condição de pária, nos cantos do vestiário. Com olhar longínquo, entre uniformes sujos pelos bancos, fica balbuciando as jogadas que faria se pudesse ajudar. Mas bem baixinho, para ninguém ouvir, é claro.

segunda-feira, 18 de março de 2013

Encontro

Sempre espero pelo pior. E o pior nunca vem. Evito o seu semblante, fujo do seu sorriso, escapo do seu abraço, temendo com isso perder o passo. Atravesso oceanos, tento novos planos, cometo enganos, sobrevoo baías, envolto em fantasias. Supero destinos, volto a ser menino, retrocedo, acelero, não espero, quase me desespero, esperando pelo pior. E o pior nunca vem. Nem o abandono, nem a solidão dos meus delírios. Imensidão de martírios, apenas. Aqui ou em Atenas. Nas penas em que escrevo. A duras penas. Cheio de problemas. De sistemas, esquemas e dilemas. Disfarçados de emblemas, lemas, poemas. Só desisto quando não tem mais jeito. A verdade aperta meu peito. Respiro no leito, me ajeito, deixo de ser estreito. Então me aceito. Até me sinto perfeito. Apenas quando entendo o porquê. Das viagens sem sentido que me levam até você.

quarta-feira, 13 de março de 2013

Atraso

O moço foi acusado de ter se atrasado. E por isso não foi recebido. Mesmo tendo saído no horário certo. Não deu nem para informar que os semáforos estavam todos quebrados, após a tempestade. Além do mais, o atraso foi de 20 minutos. Apenas. Tempo insuficiente para ser compreendido. Tempo esgotado. Além do castigo do trânsito, o castigo do cancelamento. A ausência de desculpas. A frieza. “Você se atrasou, ele não pode atendê-lo”, disse o assessor, de forma arrogante. Ele já havia esperado, sentado, uma hora antes de obter essa informação. Percebeu que a cena acusatória fora criada para esconder a má vontade em recebê-lo. Então se livrou da culpa quando rebateu. “Se você nunca se atrasou um pouco, involuntariamente, você é um santo ou está sendo hipócrita”, disse. “Assim você está me ofendendo”, retrucou o assessor. “Perdão, pensei que eu estava falando com o santo”, completou, antes de ir embora.

sexta-feira, 8 de março de 2013

Inocência

Confesso, matei um mosquito. Foi no momento em que cheguei ao vestiário, após a corrida. Ele me perseguiu, tentando, com sua probóscide picadora, sugar uma gota do meu sangue. Ao lado da pia, vi-o rodopiar com sua perninha longa, zunir com sua antena, e escapar de minha primeira tentativa de amassá-lo com a mão. Ele girava e voltava à peleja, corajoso, ciente da missão de sua espécie, que é lutar pelo alimento até que uma mão pesada acabe com tudo. Consegui na terceira vez. Bravo mosquito, pereceu como um minúsculo touro na sua minúscula arena flutuante. Os touros sofrem quando morrem. Demoram para sucumbir, sangrando, resistentes, até tombarem as pernas trêmulas, desmoronando na areia. Os mosquitos não ficam atrás em sofrimento. Nem em honradez. Fogem, desviam, sentem fome e medo. Lutam contra a extinção. Quando morrem, uma vida se vai. Vida de inseto, como diz o filme, mas vida. Lamentei ter matado o mosquito que apenas tentou beber do meu suor. Fico triste com o episódio, por culpa e arrependimento. Minha imagem está arranhada. Agora que confessei, ninguém mais vai poder dizer que eu sou tão bondoso, que não mato nenhum mosquito.

quinta-feira, 7 de março de 2013

Frustração

Imagino o olhar interessado do outro, de frente para mim, atrás da escrivaninha, esquecido por instantes do mar de compromissos que o ar condicionado do escritório refresca. Imagino o que falo e o que escrevo acender semblantes, atrair admiração, ressuscitar os mortos, angariar devotos, ser a estrela que ilumina a noite negra do silêncio e da agonia. Imagino e me animo ao argumentar comigo mesmo, no espelho compreensivo, cantando melodias de chuveiro, cantando no banheiro as palavras encantadas do meu peito. Vislumbradas como fatos no meu leito. Então o outro se aproxima de verdade, concreto, robusto, distante da imaginação, diluindo o interesse há pouco esperado. O fim é instantâneo como em um poema de Baudelaire. Quando falo, não cativo com meus gestos, sinto que minhas frases saem sem som, quase mendigo o reconhecimento de quem não me vê. Escuto vozes de minhas entranhas. Elas pedem que eu vá embora, que fuja da frágil bolha de sabão, que esqueça da explosão de anseios, que junte os cacos da realidade para que eu pelo menos sobreviva à explosão maior da minha identidade. Só respiro a fragilidade do desejo, me assusto com a diferença dos espíritos. Aspiro o azedume dos escritórios fechados, das pessoas emburradas, ensimesmadas, enciumadas, encalacradas de crateras, perdidas em labirintos escuros. Despenco no labirinto, ele me atinge. Sou engolido pela caverna da morte psíquica, caminhando por fronteiras tênues do meu corpo, quase saindo de mim, mergulhado no universo alheio. Sou sugado do meu porto seguro, debato contra mim mesmo, suo, gaguejo, gesticulo para o vento, fico preso no assento, tento fugir do meu tormento, desentendo quem não me escuta, fico cego na conversa surda, fico surdo e o outro mudo, nada muda neste mundo, saio pela rua sem sentido, desapercebido do que tenho. Rendo-me, refém da minha ilusão. Ligo o carro automatizado. Aciono o piloto-automático, quase autômato, trêmulo, com gosto de fracasso, até sentar no balcão do bar e, em sua superfície metálica e fria, beber todo meu sofrimento. Quem mandou sair de casa? Quem mandou desacreditar que a vida não passa de um sonho para dentro?

quarta-feira, 6 de março de 2013

Brinde

Se a camisa da Venezuela é a “Vinho Tinto”, a do Uruguai pode ser a “Curaçau Blue”. O Palmeiras veste as variações “Licor de Menta”, “Vinho Verde” e, nesta fase de time mais barato, “Limonada”. O Inter de Porto Alegre tem a sua “Sangue de Boi” ou a “Red Label”. Já a Portuguesa usa a“Campari com azeitona”. A seleção brasileira costuma entrar em campo com a “Chope”, sem deixar que joguem água nela em 2014. Um bom “Martini Flambado”, em chamas, tem a ver com a vestimenta do Botafogo. A do Santos é rica em possibilidades: “Caninha”, “Branquinha”, “Licor Mozart White” e, em homenagem ao seu novo camisa 10, “Vodka Montilla”. Sem deixar de lado, é claro, o “Vinho Branco”, que tanto combina com peixe. Um brinde, enfim, a todas as torcidas, embriagadas de alegria. Saúde, Tin-tin, Le chaim, Salud, Salute, Na zdorov ou simplesmente...Gol.

terça-feira, 5 de março de 2013

Tolerância

O contato entre as pessoas é frio e superficial. O contato entre as pessoas é frio e superficial. O contato entre as pessoas é frio e superficial. Até que um dia algo muda. E o contato entre as pessoas fica intenso. Transforma-se o olhar inibido. De superficial, se torna um sorriso florido.

segunda-feira, 4 de março de 2013

Sede

"Quero água com gás, papai", disse o garotinho, de 4 anos. Então ele começou sua explicação. "A água entra na boca, vai para o pescoço, para o peito, para a barriga e para o bigo, não é?" Isso mesmo, respondeu o pai. "E depois, vai para o pipi, não é?" E vira xixi, completou o pai. "Com gás?"