quinta-feira, 7 de março de 2013

Frustração

Imagino o olhar interessado do outro, de frente para mim, atrás da escrivaninha, esquecido por instantes do mar de compromissos que o ar condicionado do escritório refresca. Imagino o que falo e o que escrevo acender semblantes, atrair admiração, ressuscitar os mortos, angariar devotos, ser a estrela que ilumina a noite negra do silêncio e da agonia. Imagino e me animo ao argumentar comigo mesmo, no espelho compreensivo, cantando melodias de chuveiro, cantando no banheiro as palavras encantadas do meu peito. Vislumbradas como fatos no meu leito. Então o outro se aproxima de verdade, concreto, robusto, distante da imaginação, diluindo o interesse há pouco esperado. O fim é instantâneo como em um poema de Baudelaire. Quando falo, não cativo com meus gestos, sinto que minhas frases saem sem som, quase mendigo o reconhecimento de quem não me vê. Escuto vozes de minhas entranhas. Elas pedem que eu vá embora, que fuja da frágil bolha de sabão, que esqueça da explosão de anseios, que junte os cacos da realidade para que eu pelo menos sobreviva à explosão maior da minha identidade. Só respiro a fragilidade do desejo, me assusto com a diferença dos espíritos. Aspiro o azedume dos escritórios fechados, das pessoas emburradas, ensimesmadas, enciumadas, encalacradas de crateras, perdidas em labirintos escuros. Despenco no labirinto, ele me atinge. Sou engolido pela caverna da morte psíquica, caminhando por fronteiras tênues do meu corpo, quase saindo de mim, mergulhado no universo alheio. Sou sugado do meu porto seguro, debato contra mim mesmo, suo, gaguejo, gesticulo para o vento, fico preso no assento, tento fugir do meu tormento, desentendo quem não me escuta, fico cego na conversa surda, fico surdo e o outro mudo, nada muda neste mundo, saio pela rua sem sentido, desapercebido do que tenho. Rendo-me, refém da minha ilusão. Ligo o carro automatizado. Aciono o piloto-automático, quase autômato, trêmulo, com gosto de fracasso, até sentar no balcão do bar e, em sua superfície metálica e fria, beber todo meu sofrimento. Quem mandou sair de casa? Quem mandou desacreditar que a vida não passa de um sonho para dentro?

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