terça-feira, 19 de março de 2013

Criativos

Na minha infância, craque significava criatividade, arte e, na grande maioria, flutuava entre as intermediárias. Seu universo era aquela parte do campo, restrita fisicamente, mas ampla no seu imaginário espetacular. Ele vislumbrava, com um olhar, o cosmos do jogo. Resolvia um lance na velocidade instantânea de uma estrela cadente. Iluminava uma noite com sua galáxia imprevisível de passes, dribles, lançamentos longos, como se fossem naves aterrissando em planetas repentinos, surgidos apenas quando a bola lá pingava. Antes, estavam adormecidos para os olhos comuns. Mas não para ele, que já parecia antecipar o 3D. A bola e o jogo rodavam na órbita de seus pés. À plateia e aos outros, estes obedecendo a lei da gravidade, só restava admirar os rodopios, as trajetórias impossíveis, as parábolas, as passadas intuídas, medidas, precisas e naturais do astro maior. O meia, clássico e incontestável, hoje minguou nas mãos dos treinadores. Alguns destes talvez nem saibam o que é fazer a bola flutuar. Acham esta metáfora ridícula. Fico pensando em que posição atuariam Zico, Pelé, Rivellino, Sócrates e Falcão hoje. É quase certo que, nesta revolução às avessas que sedimentou o meio-campo com o concreto da marcação, seriam deslocados para o ataque. Zico, Pelé e Rivellino seriam atacantes. Sócrates, talvez nem fosse escalado. Bem ele, antes centroavante, deslocado para a meia justamente pela visão sábia de Telê. E não duvido que Falcão ficasse fixo, próximo da área, deixando que os outros se digladiassem atrás dele. Para mim, traumatizado com a impiedosa caça aos meias criativos, não precisa muito para o técnico ser bom. Basta ele colocar Ronaldinho Gaúcho na meia, por exemplo. A única instrução seria: "jogue o que sabe, meu filho! Seja apenas você." Cenas assim hoje são milagres. Futebol e alegria combinam cada vez menos. Ou o meia criativo vira atacante rompedor ou volante marcador. Ou reserva, nem mais de luxo. Apenas para entrar e "cadenciar" o jogo. Seu futebol leve se torna um peso. Ele passa a amargar a condição de pária, nos cantos do vestiário. Com olhar longínquo, entre uniformes sujos pelos bancos, fica balbuciando as jogadas que faria se pudesse ajudar. Mas bem baixinho, para ninguém ouvir, é claro.

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