quinta-feira, 26 de abril de 2012

Remexe

O canto Oi, oi, oi, da música tema da novela Avenida Brasil, é fascinante. Remete a um lamento judaico da Europa Oriental em uma música de dança latina e sensual. A última cena do capítulo acaba de forma impactante, mexendo com a gente, no mexe, remexe, que é uma loucura... como a letra diz. E então entram os caracteres com este tema da abertura, Dança com tudo, provocando um contraponto de emoções, com as imagens dos personagens ainda coladas em nossa mente. Sinto uma onda nostálgica me invadir, em uma dança da realidade, dividida entre a tristeza e a esperança, interagindo com a noite que entra silenciosa pela janela de casa, misturando-se ao aroma do jantar e à luz aquecida da sala. Aquele Oi, oi, oi, toca o coração. E depois vem o apelo, uma oração melódica, implorando por uma gota de doçura, esticando para adiar seu fim, para o aconchego da noite prosseguir em meio aos dramas humanos, estes sim, nada fictícios: vem dançar comigooooooo....

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Yehoshua

Não busco a heresia, tampouco a desordem de crenças, mas o nome Jesus é judaico como a sua origem: Yehoshua, cujo significado é Jeová Salva, do Tetragrama Sagrado YHVH, em referência ao Deus de Israel. Já a palavra cristo, em grego, significa escolhido, ungido. Jesus, segundo a tradição cristã, foi escolhido por Deus para representá-lo na Terra, durante sua vida de cerca de 33 anos. Isso incomoda os judeus, já que desafia a ideia da unicidade divina. Entretanto, Jesus era judeu, praticava alguns rituais da religião e atendia pelo nome de Yehoshua ben Yossef. Esta tese foi defendida pelo tio-avô de Amós Oz, Yossef Klausner, catedrático de literatura na Universidade Hebraica de Jerusalém, nos anos 20 e 30 do século passado. Klausner foi criticado tanto por judeus quanto por cristãos. Já na Torá, o escolhido para redimir a humanidade, como exemplo de moral e ética, não é uma pessoa, mas um povo, o hebreu, embrião da comunidade judaica. Não seria surpresa, portanto, se Klausner, ousado e convicto, já tivesse estudado a questão na busca de uma solução para o dilema. E, nesta miscelânea cheia de aspectos comuns, tivesse se referido ao povo judeu como "o povo cristo".

terça-feira, 17 de abril de 2012

Copo

Sentia-se constrangido ao descrever as pessoas como elas eram, sem máscaras. E se as encontrasse na rua ou em um encontro familiar? Não saberia sublimar suas convicções e se render às aparências, nem se permitir conversar normalmente deixando de lado aquela opinião reservada apenas a outra esfera, mais subjetiva. Sentia-se ambicioso como escritor. Ansiava pela verdade sem ferir, pela honestidade generosa. Não gostava de se locupletar com a maledicência, com mensagens mentirosas ou a ironia corrosiva, que, para ele, escritor pouco conhecido, beirava a covardia. Deve ter sido por isso que Amós Oz mudou de nome aos quinze anos. Não para se locupletar com as letras, mas para se completar com elas. Oz, em hebraico, é coragem. Como no ritual do casamento judaico, quando o noivo quebra o copo com os pés, para romper com um passado, Oz se reinventou para recomeçar ainda jovem. Escrevendo sua angústia, seu afeto, por trilhas cheias de sombra, mas com poucas máscaras.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Escudo

O religioso não aceita a retomada do caso em que um judeu foi morto pela ditadura militar. “A verdade é uma das premissas da Torá”, disse-lhe o interlocutor. E ele, com um semblante de calma aparente, mas sem esconder a irritação, rebateu. “A Torá também não aceita a invasão de privacidade”. O diálogo mostrou que a religião também pode construir seus sofismas, se tornar escudo do medo. Invasão de privacidade é aceitar um assassinato como sendo um suicídio. Invasão e inversão de privacidade seriam o cancelamento do tribunal de Nuremberg e do julgamento de Eichmann. E, além disso, a verdade pode muito bem ser encontrada sem invasão de privacidade, graças a Deus.

terça-feira, 10 de abril de 2012

Culpas

A beleza das peças de William Shakespeare é que, por de trás da hipocrisia existente em vários ambientes familiares, quem é considerado o culpado de tudo é, na verdade, o menos culpado.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Ausente

Ele deixou de ir a uma festa entre antigos amigos da escola. Antes entusiasmado com este tipo de encontro, desta vez refreou seu idealismo. Não combinou nada, tampouco organizou. Não tentou fazer todos se reunirem, como se fosse responsável permanente por uma missão de paz, nem sempre bem-sucedida. Deixou de se iludir e de esperar algo dos outros. E nem estava mais com forças para conversas do tipo "olhe como eu estou bem", "veja como ganho dinheiro", "sou engraçado, vou comer esta gostosa, puta que o pariu, ha, ha, ha" (esta gargalhada, certamente atravessando os quatro cantos do local). Naquele momento, não tinha bens materiais para mostrar. Nem mesmo um semblante que disfarçasse sua busca. E se perguntassem o que fazia, ele não poderia carregar seu blog até o restaurante para que o entendessem melhor. Afinal, ainda não havia comprado seu i-pad.

terça-feira, 3 de abril de 2012

Guarda

Pelas ruas que você atravessar em sua infância, serei o guarda de trânsito. Com quepe na cabeça e apito na boca, ficarei atento para que a maldade e a mentira não o atropelem. Cuidarei para que os carros parem para que você passe, evitando colisões. Na medida do possível, controlarei esse fluxo de adversidades para que sua vida flua sem tantos farois. Apenas o amarelo, quando você tiver prova no dia seguinte. Ou o vermelho, impedindo o desrespeito. De resto, que o farol verde lhe permita muitas coisas, em cada esquina: brincar, sorrir, estudar, aprender, crescer. Tudo isso até um dia em que não poderei mais realizar tal função, por minha vista não mais alcançar seus passos e o sopro do meu apito não passar de um pio. Aí, você terá aprendido a andar sozinho. Terá de ser assim. Evitará suas colisões e seguirá seu rumo, longe dos meus olhos. Nas trilhas mais distantes, nos limites da cidade, já na estrada, nos campos, nas plantações, nas montanhas verdes, quase tocando o céu, acompanhado sempre pela batida do meu coração: Ra-ul, Ra-ul, Ra-ul...