sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Faltas

Várias são as alusões do futebol à vida. Mas poucas têm como elo a falta. Seus significados são distintos, para uma e para outro. Mas se completam. A falta está em tudo. Não há vida, nem jogo, sem ela. Falta de trabalho. Falta frontal. Falta de férias. Falta desleal. Falta feia. Falta de assunto. Falta boba. Falta de coragem. Falta por trás. Falta de amor. Falta precipitada. Falta de tempo. Falta intencional. Falta de experiência. Falta involuntária. Falta de jeito. Afinal, ninguém é perfeito. É claro que, no futebol, quanto menos falta, mais o jogo flui. Mas ele não existiria sem ela. Já uma vida sem falta não teria graça. Somos privados da plenitude total. A partida e a vida devem seguir mesmo com as faltas. E por causa delas. No futebol, se fazendo a cobrança. Na vida, se preenchendo um vazio. Que 2014 seja uma ano apenas com as faltas necessárias. E que não faltem alegria, saúde e bom futebol. Sem decisões no tapetão, porque, em ano de Copa, só faltava essa.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Paixão

A neutralidade não existe. O homem é apaixonado desde que nasceu. O único problema é que às vezes ele se apaixona por algo que não contribui: o próprio ego, as próprias opiniões, as armadilhas do poder, o dinheiro a qualquer custo e até o time de futebol, em alguns casos. São paixões que cegam, escondem outras paixões que poderiam clarear, mesmo que doam. Não há saída. Até o ateu é um radical convicto, embebido de paixões por sua própria religião sem Deus. Melhor então é se apaixonar por algo bom, superando a relatividade do termo. Também o mais ponderado dos homens é um apaixonado em turbilhão. Ele vive para controlar suas paixões mais incendiárias. As coloca na hora certa. Se cala quando é preciso. Busca falar o que é necessário. Estuda, aprende, procura ouvir o outro. Sua aparente frieza esconde algo intenso dentro dele, que mantém aquecido seu espírito indômito, sempre em busca de uma solução justa. Até quando erra, seu esforço é hercúleo para não se culpar. Mesmo assim, nem sempre ele consegue. E se lamenta, como um abandonado pela amante. Em seu íntimo, enfim, também se agita um frenesi pelo abstrato. Nele mora a obsessão de unir o visível ao invisível. Ele se move pelo desejo incansável de dar contornos ao subjetivo, tornando-o um corpo consistente e objetivo. Este homem ponderado não deixa de ser um obsessivo, com seu coração pulsante. Um torcedor de arquibancada que vibra pela vitória do time da verdade. Mas não perde a calma quando vencem paixões como a corrupção e a violência. Mesmo sendo doloroso, ele não abre mão dela. Só não é um black bloc em sua defesa porque a estaria anulando. Muitas vezes ele paga o preço pelo anonimato, por não atrair os holofotes, como sua vaidade - outra de suas paixões - gostaria. Ele apenas a observa, com devoção, desfilar com seu traje elegante, como uma linda professora de primário cheia de livros ao seu redor. Ela aponta caminhos, alimenta esperanças. Sorri de maneira assertiva e acolhedora. Então ele agradece por ter se submetido a ela, sua musa, sua diva, a Cleópatra de suas paixões. Por quem daria a própria vida e que se chama sabedoria.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Subjetivas

Ou isto ou aquilo? Ser ou não ser? Para cima ou pra baixo? Ir ou não ir? Sorrir ou chorar? Fazer ou não fazer? Teoria ou prática? Há algo positivo na pobreza? E na riqueza? O ócio criativo é trabalho? Não sei nenhuma destas respostas, tanto quanto outras tantas. Só sei de uma coisa e esta posso afirmar: o excesso de subjetividade é mortífero.

sábado, 14 de dezembro de 2013

Faltas

Várias são as alusões do futebol à vida. Mas poucas têm como elo a falta. Seus significados são distintos, para uma e para outro. Mas se completam. A falta está em tudo. Não há vida, nem jogo, sem ela. Falta de trabalho. Falta frontal. Falta de férias. Falta desleal. Falta feia. Falta de assunto. Falta boba. Falta de coragem. Falta por trás. Falta de amor. Falta precipitada. Falta de tempo. Falta intencional. Falta de experiência. Falta involuntária. Falta de jeito. Afinal, ninguém é perfeito. É claro que, no futebol, quanto menos falta, mais o jogo flui. Mas ele não existiria sem ela. Já uma vida sem falta não teria graça. Somos privados da plenitude total. A partida e a vida devem seguir mesmo com as faltas. E por causa delas. No futebol, se fazendo a cobrança. Na vida, se preenchendo um vazio.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Homenagem

"Há duas horas, mais ou menos, meu mundo se entristeceu uma vez mais ... Meu adorado irmão Abrahão, que morava em Israel, nos deixou aos 81 anos (aliás, exemplares!)... Mas a lembrança do ser maravilhoso que era e sua alegria contagiante ficarão eternamente em nossos corações.
Avrumale, que D'us ilumine tua nova jornada e esteja contigo. Saudades... de todo o coração, da irmãzinha caçula que ele apelidou de Caturrita e a quem ele tanto "paparicava" ... e de todos..." - Estela Gontow Goussinsky, sobre seu irmão, o tio Abrahão, em 19 de novembro de 2013.

Detenção

"Neste mundo, companheiros, o pecado que paga pode viajar livremente e sem passaporte, ao passo que a virtude, se é pobre, será detida em todas as fronteiras."
Padre Mapple, em Moby Dick, de Herman Melville.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Pacificação

Não existe paz total sem o amor. A paz sem amor gera apenas a integridade física, que precisa ser complementada com a integridade emocional.

Incômodos

Um filho só coloca o pai em um asilo porque, quando criança, o pai não o colocou em um orfanato.

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Tavares

Joguem pedra no Tavares, de Tapas e Beijos. Ele é o inadequado, indesejado, insignificante. Seus desejos são de rato. Ele é alvejado como um inseto, que se permite ser. Só o Tavares é canalha. Só ele é fraco. Só ele esconde sorrateiramente suas segundas intenções. Assim, os protagonistas, cheios de pecados, descarregam suas frustrações no cara. E fingem se esquecer do instinto manipulador e egoísta que os assola. Tavares, Tavares, cada vez que és jogado pela janela e te espatifas no chão, tu mostras em forma de seriado, que, na verdade, o bullying não é algo restrito aos estudantes do nosso Brasil. Todos têm direito a tapas e beijos. Os Tavares da vida, porém, ficam só com os tapas.

Irmãos

A violência no futebol se intensificou nos anos 90. Na mesma época, o UFC despontou. Ambos se misturam, são causa e consequência de uma sociedade com problemas.

Trocação

Membros da torcida vascaína comemoraram porque foram bem na "trocação". O termo está muito em voga no UFC. Boa parte da mídia também tem responsabilidade pelas brigas nas arquibancadas. É ela que, muitas vezes, alimenta rivalidades "saudáveis". Sem perceber que não existe violência "politicamente correta".

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Nelson

Rever "Água Viva" é voltar no tempo. A abertura com a música 'Menino do Rio" diz muito sobre a cidade nos anos 80. Observamos as paisagens, os semblantes, os carros e sentimos o imediatismo, os sonhos de grandeza e a sensualidade provocante daquele tempo como algo ingênuo e doce. No fundo, os participantes e as cenas eram mais humanas, mais contínuas. Assistir hoje cada capítulo, na reprise da trama que o Canal Viva colocou no ar, é um exercício de paciência, se o compararmos ao frenesi dos folhetins atuais. Os diálogos e as lembranças são longas. A complexidade dos personagens é  maior, eles atuam em um ritmo mais cadenciado. Pegue-se o ex-playboy Nelson Fragonard. Como protagonista, viveu um processo de amadurecimento na história. Ele se mostra um homem em conflito, lutando contra o seu orgulho infantil que o impediu de ir mais além nas relações e em sua vida profissional. Bonita evolução, cheia de reflexão, situação similar às de outros personagens. Basta lembrar a relação problemática de Marcos com a mãe, tão esmiuçada e analisada. As novelas, depois, começaram a ganhar uma agressividade distorcida. Que chega a ferir de indignação por meio de seus vilões sanguinários, egoístas, materialistas, tão admirados por uma grande parcela da audiência. Novela, no fundo, é um retrato do momento da sociedade. As novelas, em parte, enlouqueceram. Isso mostra que a população também.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Existências

Meu filho fez cinco anos. Como é que eu tenho 44 se eu não existia antes dele?

Paternidades

Padrasto do enteado e pai do filho são pleonasmos na gramática. No mundo da emoção, porém, têm o mesmo significado: amor e confiança.

Silêncios

Um astronauta flutua no silêncio da gravidade. Quem nasceu antes, o universo ou o silêncio? Silêncio ambíguo que angustia na ausência da resposta. Ele pode camuflar a reprovação ou a aprovação. Leva o verbo ao brilho do olhar, ao sentido do gesto, ao sorriso sem palavras, aberto ou circunspecto. O astronauta vê o mundo e se afaga na tranquilidade sideral. Mas naquelas paragens gravitacionais o silêncio também é perigoso. De seu manto traiçoeiro, cometas atravessam o espaço num ímpeto voraz que destrói o que vê pela frente, ultrapassando a barreira do som, espatifando a abóbada emudecida e passiva. O silêncio também é passivo. Indica medo, ameaça, terror. Mas no semblante da criança alegre ele traz uma mensagem de esperança. O silêncio é amor na entrega de uma flor. Precede o choro do nascimento, o primeiro canto dos pássaros da manhã. Envolve os amantes deitados depois do sexo, pensando na vida, olhando para o teto. Silêncio indica confiança, de seu ventre emana a paciência. Não há sabedoria sem silêncio. Mas ele também emerge das trevas e nele mergulha o ato da morte. Serve de hiato até o primeiro grito após uma explosão. Não há cemitério sem silêncio. Mas não há nada mais belo do que uma noite estrelada e silenciosa. Também não há leitura sem silêncio. Se for de Poe, ele é cortado por um arrepio. Se for de Millor por uma risada. Se for de Proust, por um suspiro. O silêncio pode ser inadequado e verdadeiro, como o gauche de Drummond. Enfeitiçado como a mágica de Paulo Coelho. Irritante na postura do psicanalista. Racional ou emotivo. As possibilidades do silêncio são infinitas. Vivemos em um mundo em que nos projetamos nas respostas. A era do feed back. Quando elas não vêm em forma de palavras elogiosas, perdemos o rumo. E perdemos oportunidades, como suicidas que se precipitam com informações falsas. Desistimos pensando que fomos enganados pelo silêncio. Na verdade fomos enganados por nós mesmos. Por nosso caos interior, barulhento e impaciente. Que não esperou para entender uma admiração não declarada. Ou não percebeu o gesto de amizade contido. Porque silêncio nenhum sobrevive sem uma pitada de amanhã. O silêncio, afinal, se revela no tempo. 

Fígado

As palavras de Seedorf vieram de seu fígado. Alguma rixa de jogo. Afinal, Ganso jogaria na Europa. Seedorf é que não teria lugar na seleção brasileira.

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Irados

Quando um motorista é fechado no trânsito, ele fica irritado e xinga pensando se referir a quem o fechou. Na verdade, ele está xingando a sua própria irritação.

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Felizes

Felicidade é um conjunto de pequenas infelicidades com as quais aprendemos a conviver bem no dia-a-dia.

domingo, 3 de novembro de 2013

Canto

Um olhar que encanta, a tristeza ele espanta. Um sorriso levanta. Mesmo que não saiba, se firma como uma planta. E quem sua luz toca, não tem jeito: a vida canta.

Maldades

Dormiu mal. Acordou mal. Entendeu mal. Reagiu mal. Escutou mal. Respondeu mal. Dançou mal. Jogou mal. Explicou mal. Expressou-se mal. Chegou mal. Deixou mal. Saiu-se mal. Leu mal. Fez mal. Casou-se mal. Viveu mal. Há palavras que vão além do normal. Hipnotizam as outras, como esse tal de mal. Não importa o que seja, tudo com elas fica igual.

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Ambição

O velho pobre, no leito de morte, disse para o filho. "Para se sentir vivo é preciso ter dinheiro, conquistado com honestidade".

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Criativo

Do garotinho de 4 anos: "quero ser jogador de futebol e bombeiro. Mas se eu for as duas coisas, só não vou poder jogar pelo Botafogo."

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Always

Um dia achei o céu da Califórnia o mais lindo do mundo. Estava com 25 anos e acompanhava a Copa do Mundo, percorrendo com meus amigos as estradas bucólicas da região, margeando o rio às gargalhadas, contemplando o reflexo do sol nas águas e admirando as montanhas que cresciam e se multiplicavam ao nosso redor. Naquele tempo, todo sonho era possível. Parecia se realizar em meio à paisagem encantada. As brincadeiras no quarto do hotel, os longos almoços nos restaurantes, as comemorações com vários grupos à noite, davam um colorido àquele momento. Tudo remetia à plena sensação de liberdade, de descompromisso com as agruras da vida, de certeza na amizade eterna. Parecia, sob aquele céu azul luminoso, que aquilo jamais acabaria, como um vínculo que a maturidade e os compromissos da vida - casamento, filhos, trabalho - seriam incapazes de dissolver. Talvez não seja coincidência que a música mais ouvida por nós, a que marcou aquela viagem, foi Always, do Erasure. Tinha uma textura estonteante, que mesclava um instrumental eletrônico com uma voz melodiosa do vocalista, assemelhando-se a uma sinfonia ritmada. A letra diz algo sobre harmonia, compreensão e vínculo permanentes, descrevendo como eu sentia minha juventude cheia de sonhos e de amigos, a me ajudarem a superar a solidão e o medo do futuro. Uma juventude tão reluzente e forte como o céu da Califórnia. Acontece que não foi bem assim, depois de tanto termos cantado juntos aquela música. Outro dia, em um cruzamento, revi um daqueles amigos e senti a frieza em seu olhar, como se aquele azul celeste tivesse se descolorido de sua lembrança. Desconfiei até que ele queria se esquecer daquele tempo, da promessa tácita de que o valor dos amigos jamais se dissolveria na ciranda de cifras e problemas que viriam no mundo pós-onírico daqueles dias. Não foi bem assim e eu fiquei bravo. Ele disse que não poderia ir à festa do meu filho por já ter um compromisso banal. Mostrou-se indiferente. Irritei-me com a mesquinhez que o tinha assolado tão facilmente. Senti-me traído por ele ter se entregue à ânsia do egoísmo. À noite, ainda atônito, estava quase telefonando para desabafar minha frustração. No mesmo instante, porém, do rádio começaram a sair as primeiras batidas de Always, que eu não ouvia há muitos anos. Por acaso ou não, aqueles tempos californianos retornaram de supetão, junto com a locomotiva da música, me levando como um túnel que empurra rumo ao passado e nos faz sentir de novo emoções adormecidas. Foi um sopro de vida. Foi como se a melodia abrisse meus olhos. "Abra seus olhos, eu vejo, seus olhos estão abertos. Não use nenhum disfarce comigo. Venha naturalmente", diz a letra, a qual adaptei para a amizade entre duas pessoas. E tudo veio naturalmente. Desisti de telefonar, graças à música que ainda permanecia em mim como um resquício daquilo que se foi. Por causa dela, eu voltei a ficar de bem do meu amigo. Para sempre. Mesmo que ele não soubesse de nada disso.
http://www.youtube.com/watch?v=lWqJTKdznaM

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Partidos

A atual crise orçamentária dos Estados Unidos vem para mostrar que, em linhas gerais, democratas e republicanos estão longe de ser "farinha do mesmo saco".

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Faces

Muitas vezes é mais indicado eu publicar textos no meu blog do que no meu Face. Porque eles revelam muito da minha alma do que da minha face.

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Protagonista

A minha verdadeira personalidade aparece logo após uma corrida. Enquanto abro os pulmões, troco o ar das preocupações pela paz interior.  Deixo de ser tímido e viro o que sou: um protagonista de meu universo. Corro e nem percebo minhas passadas. Sinto-me dançando com o ambiente que me acolhe. Se estiver na praia, vou fazendo planos enquanto sigo com os olhos a linha do horizonte. Até na cidade de concreto uma brecha de céu e um soprinho do vento já convidam à contemplação. "Amanhã vou mostrar aquele projeto que guardo há dias. A reação vai ser de total aprovação", garanto para mim. Já decidi, por causa das corridas, ligar para uma garota que me encantava e...deu em casamento. Inúmeras vezes revi na memória certos momentos que me pareceram bons, mas que, sob o calor do movimento, considerei verdadeiramente grandiosos. Vejam só, até já me imaginei cantando em público e sendo aplaudido! Correr para mim é como transformar a carranca do mundo e vê-lo sorrir à minha frente. A música do ipod também incendeia e, impulsionado pela empolgação, fiz vários amigos em meu pensamento. Esse exercício leva o homem ao pleno prazer de viver. Alivia, desestressa. Uma simples corridinha mostra o melhor lado de cada um, que eu chamaria de lado endorfínico. Correr é bom porque neste momento as coisas acontecem de maneira natural. Antes de eu ter de encarar de novo a ameaça do nada. E só voltar a existir na próxima corrida.

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Itororó

Quem sabe um dia a avenida 23 de maio volte a ser um ribeirão. Será o momento em que a cidade atingirá o ápice de seu desenvolvimento, retornando às suas raízes. O paulistano encontrará uma fórmula de integrar a modernidade com a natureza. Terá avançados sistemas de metrô, vias mais equilibradas e serviços mais acessíveis. Mas também desfrutará do cheiro úmido da mata, do chiado do vento na relva, das faíscas de sol derrapando nas folhagens, do som dos pássaros se avolumando pelas árvores, do movimento contínuo do velho Itororó, sufocado pela urbanização e coberto por uma avenida cheia de pressa. Ao conseguir desafogar o leito enterrado, o paulistano estará mais manso, no bom sentido. Poderá substituir a obsessão pelo shopping por uma tarde bosque, ver o selvagem das finanças como um bom selvagem, desnudado de interesses mesquinhos. O Itororó trará mais paz, purificando-se em ciclos, entre colinas que hoje podem ser a Maestro Cardim ou a Vergueiro. Encerrará a guerra urbana e febril, trocando-a pelos movimentos naturais de uma água que será o espelho de boas histórias. O paulistano poderá nadar e até navegar em barquinhos românticos, avistando margens em flor. Será o momento em que os cidadãos terão a chance de tirar suas máscaras de asfalto. Poderão se desfazer do concreto que tenta proteger de maneira artificial e falsa, baseada no exagero das construções mal planejadas. No impulso destas marolas, cada morador experimentará o gosto doce de suas profundezas, conhecendo-se melhor, acalmando-se em seu próprio regato. O seu lado natural, rico em folhas, troncos, galhos, copas e terra se harmonizaria com um ecossistema em evolução diária. O Itororó vai fazer do paulistano alguém melhor. As pessoas deitarão mais serenas sob a poeira prateada da lua. Despertarão para um dia de surpresas, na explosão lenta de cada manhã. Irão se sentir mais fortes para não se poluírem na fumaça plúmbea. E até compartilharão mais seus frutos adocicados com seus pares. Tudo por causa da recuperação de um antigo vale. E vale para mim. Vale para você. E para quem vier. A volta do Itororó fará com que todos, enfim, mostremos com orgulho o rio que corre dentro de nós.

sábado, 5 de outubro de 2013

Suor

Para ele, escrever se tornou algo como prender a respiração e esperar pela inspiração. Mas como o pulmão se incomoda com a falta de fôlego, ele se sente angustiado cada vez que expressa sua desesperança, seu desemprego, seus dissabores em forma de palavras não escritas. Sempre viu o ato de criar como ameaçador, como se o movimento de vida despertasse fantasmas. Aplicou então um corretivo líquido em todas as frases que deixou de escrever, afogando seu bloqueio e sua descrença no liquid paper de sua alma. Experimentou o silêncio plácido do não saber, contra a cobrança interna por tudo saber. E esperou pela inspiração perdida sem, no entanto, conseguir respirar aliviado. Seu último recurso foi se transferir, junto com o computador, para uma sauna. Sempre soube, afinal, que, escrever é acima de tudo transpiração. 

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Filhinho

Um dia não estarei mais aqui, à beira de sua cama, esperando você dormir. Mas quero que o meu beijo afetuoso, meu abraço caloroso, minhas palavras amorosas, o estímulo de meus conselhos, minhas bençãos lhe desejando sorte, minha alegria em vê-lo alguém forte, minha crença em seu potencial, minhas frases sobre o bem e o mal, a ternura do meu olhar, as broncas que precisei lhe dar, a esperança das minhas histórias, minha confiança nas suas vitórias continuem presentes, para ajudá-lo, a cada passo de sua linda trajetória. Quero apenas que me guarde no futuro em um cantinho de sua memória.

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Guerra

Até as armas químicas serem utilizadas na Síria, mais de cem mil pessoas haviam morrido na guerra civil local. Somente nos últimos meses o drama ganhou repercussão mundial. As potências ameaçaram uma intervenção militar contra a utilização do gás sarin. Como a Síria aceitou colocar sob controle internacional este tipo de armamento, tudo voltou ao normal. Como consequência, além de trágica, a situação ficou irônica: a carnificina pode continuar. É permitido matar, desde que seja com ética. 

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Ondas

Eles enfrentavam as ondas como se fossem jogadores. Logo que elas estouravam na praia, levantavam a bola que boiava oscilante. Davam com o dedinho por debaixo dela e chapelavam a maré. O desafio era pesado, porque logo outra onda vinha e carregava de novo a bola para a praia. Mas eles resistiam, brincando, quase dançando sob o pôr do sol nas montanhas de Floripa. "Dei um chapéu mas a onda tirou de chaleira", gritou um, para em seguida comemorar um olé bem executado. O menor chegou a comentar que eles estavam ganhando das ondas, que eram melhores do que o Pelé. "Foi difícil, driblei o Neymar, o Pelé e todos os jogadores bons, os reis", comemorou. Era verdade. Tratava-se de uma luta saudável contra a força da natureza, representada naquela imensidão das águas. Uma luta desigual, porque os dois eram derrubados e não havia cartão vermelho nem falta. Mas o brilho no olhar daqueles meninos era maior do que tudo. Mais radiante do que a luz do sol. A força de seus sonhos podia fazer a bola pousar lá no horizonte. Eles eram tão craques que conseguiam até driblar o mar.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Alma

O técnico Tite quer que o Corinthians reencarne outro espírito. Vive gritando "sai do corpo" para os jogadores. Ele busca reacender a alma do time, sem nem ao menos ter Alan Kardec no elenco.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Biografia

O poema não lido se transformou em sonho não interpretado; este virou um e-mail não respondido, esquecido no olhar não correspondido, emanação de cores não diferenciadas, como flores não acariciadas, beijos não desfrutados, lágrimas não adocicadas, gritos não ouvidos, silêncios não intuídos, bolsos não recheados, orgulho não assumido, semblantes não decifrados, horizontes não visualizados, soluções não resolvidas, noites não dormidas, estrelas não iluminadas, dívidas não pagas, da moeda não valorizada, pela auto-estima não alimentada, de uma biografia não autorizada, não concreta como tu, oh wi-fi, de ondas não visíveis, movimentando mundos não compreensíveis, de anseios não suportáveis, por causa das não respostas não superáveis, que impelem à não realidade, ao não desejo de profundidade, à não coragem, à não liberdade, à não verdade do poema não lido, que se transformou em sonho não interpretado...

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Saramandices

Saramandaia tem uma linguagem nova. Que traz uma mensagem diferente do convencional. O homem pode transformar sua realidade. Em surrealidade. Então os fazendeiros radicais ganham raízes que precisam arrancar por causa do amor. Os pestilentos como Zico Rosado criam formigas em seu próprio corpo. Já os idealistas e intuitivos podem até voar com a imaginação, se perderem a vergonha de Gibão. De tudo, no entanto, os neologismos são a sensação. Trazem à palavra uma nova dimensão. Morrer é desviver. Esquecer é deslembrar. E assim por diante, na língua do des. Inversões que brotam no nosso dia-a-dia, mudando rumos, transformando coisas, encobrindo cenas, revelando verdades. Um mesmo des que desfaz pode frustrar ou aliviar. Desculpe alguma coisa, por favor. Desconsidere tudo o que eu lhe disse antes. Você é muito do descarado. Isso é uma desconsideração da sua parte. Que deselegância! Você está sendo desagradável. Só o desapego cura o sofrimento... Sinto-me desobrigado a cumprir aquela meta. Desesperar jamais. Aquela reação foi desproporcional. Não me diga que ele está desenganado. Pedro Álvares Cabral descobriu o Brasil. Os inimigos, despiste, desvie, despreze. Só não desvalorize os amigos. Desembrulhe os presentes deles recebidos. E desencane. Descarregue os maus fluidos. Respeite seu lado criativo, para que ele desencante. Não o desestimule. Desembeste a sorrir, a falar coisas boas. E procure desburocratizar. Como aquele homem que desfaleceu de tanto se preocupar com os papeis. Não que seja boa a desobediência civil. Ela peca por se desligar de tudo. E a coisa toda desanda no caos. É bom desconfiar deste tipo de liberdade. Aquela que desmoraliza tudo de maneira despudorada. Com desequilíbrio. O velho desacato à autoridade. Ô doutor, descumpri alguma ordem? Só vim me despedir. Pelo menos não fui despedido. Apesar de querer ser mais destemido. Para poder ficar despido diante da pessoa certa. Diante do amor que desabrocha em flor. Na face surge um sorriso desconcertado de feliz. Emoção que desaba em uma cachoeira de lágrimas. Desfiando lindas esperanças. Xô, desencanto! Nada melhor que viver com tino. Seguir, enfim, o próprio destino. Com uma dose de desatino.  

domingo, 15 de setembro de 2013

Origem

O jogo no Playstation começou. “Papai, é Itália, do Balotelli, contra Polônia”,do Lewandowski, disse o garotinho de quatro anos. “Que legal, filho. Sabia que a mãe da vovó era da Polônia?” “Eu sei, inglish.” “Inglish, english?... Já sei....iídische!” “Ah, é isso mesmo papai.”

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Benção

Antes de apagar a luz, o primo lhe contou, deitado na parte de cima da bicama. "É um presentão e tanto, uma benção do rebe". O rapaz estava ansioso. No dia seguinte, iriam à Yeshivá do Brooklin, para que somente ele recebesse a benção do rebe, figura mais eminente do judaísmo naqueles anos 90. O primo, rosto magro, nariz aquilino e olhar de malandro, já havia recebido e não poderia fazê-lo novamente em um curto período. O privilégio foi conseguido porque seu primo, então religioso, era amigo de alunos da escola rabínica. Deitado no escritório, improvisado como quarto, ele imaginava a emoção que sentiria. O primo contava as histórias que ouvira. Estava tudo escuro. A tia americana, que os recebia gentilmente em Nova York, dormia. Sussurravam, para não acordar ninguém naquela casinha apertada do bairro judaico. Tudo seria esplendoroso, não fosse o susto que ele tomou ao ouvir a última história, quase adormecendo. "E o rebe deixou de abençoar um rapaz da fila. Na noite seguinte, ele morreu em um desastre de avião", emendou o primo. "O que você está dizendo?", reagiu, sentando-se no colchão. "Isso mesmo, a benção do rebe é como um decreto". "Você me conta isso agora, depois de ter recebido sua benção e na véspera de eu receber a minha?" "E qual o problema?" "O problema é se ele passar reto por mim, como fez com o infeliz. E você bem sabe que tenho voo marcado para o dia seguinte". Na verdade, a história contada foi um pouco aumentada. O que o rebe fez, em uma única ocasião, foi, muito sutilmente, deixar de dar uma benção do Lulav, que pedia vida longa, a um senhor em uma enorme fila. O senhor morreria logo à noite. Só quem vê em câmera lenta, no videotape, consegue detectar esta cena. Acontece que, para ele, saber disso daquela maneira, horas antes de ser agraciado, foi um pesadelo. Virou-se e revirou-se na cama durante a noite. Já o primo, tranquilo, dormia o sono dos anjos. Ou melhor, dos rebes. De manhã, tomaram rapidamente o café deixado pela tia, que já saíra para as compras. Apressados para não perder o momento da ida do rebe ao saguão, saíram pelas ruas do Brooklin rumo ao local sagrado. Foram a pé. Andando por amplas avenidas, observavam casinhas geminadas, prédios baixos e avermelhados, algumas fábricas, até chegar à sinagoga. O que poderia ser um momento especial havia se transformado em uma agonia para ele. "E se o rebe passar reto por mim...e se o rebe passar reto por mim", repetia, para si. O primo, por sua vez, caminhava assobiando. "Quer tomar um café antes de entrar?" perguntou o primo, já no portão. "Que café, que nada! Quero resolver logo o meu futuro!" bradou, já irritado. Na entrada, foram recebidos por um jovem rabino, que os orientou a esperarem na lateral. Não havia fila alguma. Milagrosamente, ao contrário da maioria dos dias em que judeus visitantes se aglomeravam por um aceno, só ele iria receber as palavras santificadas do grande religioso. Isso o assustou ainda mais. E olhando para as galerias lotadas de religiosos, ouvindo o murmúrio dos que rezavam, observando outros lerem seus livros sagrados com toda a devoção, sentiu-se realmente só. Se o rebe passasse reto não haveria dúvida. Ele seria a única e incontestável vítima de seu destino exposto diante de todos. Passaram-se dez minutos. Ele suava. O primo, tranquilo, trocava informações sobre o melhor tipo de carro hidramático com um colega vestido de preto. Conversavam com a tranquilidade de alguém bebendo em um bar. Já ele, não. Sentia-se aterrorizado como um pecador da bíblia, já antevendo o chão tremer sob seus pés e ele ser sugado por um lençol de fogo, vindo das entranhas da terra. Então o rebe apareceu, lá de cima da escadaria. Desceu-a com seus passos tranquilos, seu olhar suave, seu rosto emanando uma bondade permanente, acrescida da sabedoria da velhice. Foi caminhando lentamente em direção a ele. Ele chegou a ver a feição compadecida do rebe no momento em que o senhor olhou fundo nos seus olhos assustados. E o religioso ia erguer o braço para proferir a benção quando....foi interrompido por um assessor. O assessor disse algo em seu ouvido, que o fez retroceder. E, com os mesmos passos lentos, ele retornava de onde viera, ou seja, para seus aposentos no andar de cima. Não é preciso dizer que ele quase desmaiou, após esta inusitada saída do rebe. E agora? Permaneceria ali, com a fé inabalável de que nada de mau lhe aconteceria? Ou sairia com a certeza de que não recebera e benção e que, por isso, estaria com as horas contadas? Passou em sua cabeça um filme sobre sua vida. Que pecado teria cometido para tamanho dilema? Lembrou-se de quando era menino e jogara uma pedra no colega. Ou de quando roubou, na adolescência, a namorada de seu melhor amigo. Culpou-se, por, já adulto, não contar para o garçom que este esquecera de cobrar uma taça de vinho na conta do jantar. Percebeu que, todo dia, havia cometido um pecadilho. Mas lamentou a possibilidade de não estar mais vivo em breve, para corrigir estes erros e recuperar o tempo perdido, vivendo com mais alegria e menos preocupações banais. E até cometer novos pecadilhos nesta vida em que o aprendizado depois do erro a torna ainda mais bela. Deixaria de se formar na faculdade que sempre sonhou. Não seria mais médico, as vidas que ele salvaria também poderiam estar se esvaindo naquele momento. Nem teria mais filhos, possibilidade que acalentava com amor, a cada namoro que começava, enquanto beijava cada uma de suas novas amadas. Quem revelaria seu doce mistério de amor? Em cada esquina, via-se de mãos dadas com a criança, ensinando-a, orientando-a, evoluindo com sua vivacidade infantil. Chegou a chorar diante desta realidade, que estava se delineando à sua frente. Nem respondeu à pergunta, desta vez preocupada, do primo, que logo correu em sua direção. "O que houve, por que ele voltou? Meu Deus..." lamentava, só faltando completar com "você está f...." Mas resolveu não arredar pé dali. Iria até o fim, até que apagassem as luzes do salão e junto com elas a sua esperança. Não dizem que a esperança é a última que morre? Pois bem, iria morrer junto com ele. Passaram-se mais dez minutos. Com ar sério, como se fosse acompanhar um enterro, seu primo se aproximou: "Vamos?" Então ele viu lá em cima, por entre os arabescos da balaustrada, a portinha se abrindo. Alguns religiosos desviaram a atenção do Sidur para olhar para o alto, no corredor que ficava no andar superior, entre os pilares da sinagoga. O rebe caminhou com os mesmos passos vagarosos. Desceu a escada segurando o corrimão com todo cuidado. Seu andar sereno demonstrava seu apreço por cada gesto, por cada movimento, um cuidado extremo, como se temesse se desviar de um caminho de sabedoria e paciência. Até o primo ficou pálido no momento em que o velho judeu se aproximou do rapaz, ainda mais impaciente para que a benção se realizasse finalmente. E então um inesperado diálogo teve início. O rebe, que nunca conversava durante estas situações, se dirigiu ao rapaz e perguntou. "Por que você quer tanto receber minha benção?" Atônito, o moço disse por impulso. "Porque o senhor representa a divindade, o que diz é como um decreto". "Desculpe, mas se você pensa desta maneira, não será benéfica a minha benção. Não sou Deus, apenas o reverencio e tento dar o exemplo para que outras pessoas alcancem a profundidade espiritual que guardam dentro delas." Ele ficou sem palavras diante do que ouviu. Não queria um debate filosófico, apenas estava seguindo o roteiro de todos, meio sem saber por quê. O importante, até então, era receber a benção, sentir-se protegido e ter o orgulho de contar para todos esta sua façanha. "A benção entre os homens é tão importante quanto a minha. Apenas corroboro aquele que acredita em si e acolho quem perdeu a fé. Deus fica até mais contente quando vê duas pessoas se abençoando mutuamente, demonstrando amor e sentindo-se a serviço de algo maior nesta vida além do próprio ego." "Mas e se o senhor não me abençoar?" Antes das histórias que os outros contam, acredite na verdade que existe em você. Se eu não te abençoar e você não se envergonhar de si, buscar a força dentro de você, nada de ruim lhe acontecerá." O rapaz já não conseguia conter as lágrimas. Sentia protagonizar uma conversa sublime, semelhante à dos grandes herois bíbilicos que escreveram a história do judaísmo. Justamente ele, que sempre se perguntava por que somente nos escritos antigos a mensagem de Deus se apresentava, percebia agora que no mundo moderno também podemos experimentar estes momentos sagrados, apesar de toda tecnologia e balbúrdia mecanizada que se instalaram ao nosso redor. Sim, ele não conversava diretamente com Deus, mas era como se estivesse fazendo. Sabia que Deus aprovava a fala do rebe e sentia-se um tanto constrangido por seus pecadilhos e seus interesses mundanos. "Fique tranquilo, rapaz, nenhum assessor vai mais me interromper, como fez há pouco, a meu pedido", disse o rebe. "Tome minha benção. Que Deus te proteja e lhe dê vida longa. Mas pense também na importância de você se abençoar diariamente, quando acorda, quando for dormir, para exercer não a divindade que todos atribuem a mim, mas a divindade que existe dentro de você." Virou-se de volta e subiu novamente a escada, quebrando com seus passos lentos o silêncio que reinava no recinto. O restante desta história não teve tantas novidades. Ele voltou para casa, após uma viagem sem percalços. Fez faculdade, formou-se em Medicina, conforme sonhava. Sentia sua vida fluir muito em função de uma luz que emanava de dentro dele.Casou-se, teve lindos filhos. Continuou a cometer alguns pecadilhos, mas certamente buscou a cada dia, graças ao diálogo marcante, exercer sua profissão com ética e educar suas crianças dentro dos conceitos de bondade e generosidade do judaísmo, muitas vezes esquecidos pelos próprios judeus. Já o rebe, segundo seu assessor, se disse satisfeito por ter cumprido sua missão. Desgastado fisicamente, já ansiava pelo repouso. Afirmou ao amigo que atingira o êxtase do amor pelo ser humano e via com clareza a divindade que reinava dentro de cada pessoa. O rapaz, com estas informações, percebeu que, após atingir o ápice da compreensão pelo outro, o rebe precisou de descanso. O sábio rabino sorria com ternura diante de desabafos superficiais e demonstrações vis de nossas fraquezas. Já não ligava para o egoísmo. Um dia, tudo iria se acertar, dizia para si. Por isso, na manhã seguinte àquela benção, o rebe morreu feliz. A alegria chassídica emanava em seu peito enquanto seus olhos se fechavam no leito. Estava contente por todas as bençãos que deu. Mas, acima de tudo, não carregava mágoas pelas bençãos que ele não recebeu. Logo depois do enterro, o primo lhe telefonou. "Eu fui ao sepultamento do rebe, e você?" "Não? Ihh...Soube de uma história sobre a morte do rebe anterior. Um rapaz do povoado preferiu ir a um compromisso em vez de comparecer ao velório. No dia seguinte..."

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Mengão

O programa "Futebol e suas histórias" tem como tema desta semana o grande FLAMENGO dos anos 80. Vale a pena conferir, inclusive os que não são flamenguistas. Apresentação de Antonio Afif e Eugenio Goussinsky.

http://www.megabrasil.com.br/radiomegabrasil/ProgramaDetalhe.aspx?idP=20

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Narrativa

O rabino rezava em uma sequência tão rápida que ele associou a intensidade daquela fala a uma narração de futebol pelo rádio. Ambas têm paixão e clamam pelo sublime de maneiras semelhantes. São tão parecidas que o rapaz da frente, na primeira pausa, gritou gol em vez de dizer amém.

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Valorizados

O Corinthians tem feito uma política correta de apostar em nomes desconhecidos. Não é à toa que, neste Brasileirão, poderia ser formada uma boa equipe, só de jogadores que se valorizaram no clube paulista, onde tiveram passagens marcantes. Alguns até vieram da base, ainda que esta careça de maior eficiência na revelação de talentos. O time seria o seguinte: Felipe; Fágner, Chicão, Betão (Cris) e André Santos; Marcelo Mattos, Nilton, Elias e Alex (este já era conhecido); Willian e Jô. Técnico: Mano Menezes.

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Profissões

Um bom escritor se pergunta constantemente: eu sou escritor? Um bom cantor faz o mesmo: eu sou cantor? Situação similar é a do ator: sou ator? A prostituta também se rende à pergunta, por de trás da maquiagem que disfarça sua tristeza. Esta sou eu? Vida... espécie de pirotecnia em que nos questionamos constantemente, em busca do desenvolvimento pessoal. Procuramos nossa origem tal qual os personagens de Pirandello. Há casos, no entanto, que a pergunta muda de feição. Em vez de aferir quem somos, tenta entender quem nos tornamos. Vale, por exemplo, para médicos sem idealismo. Isso é Medicina? Ou para a falsa moral de jornalistas. Isso é Jornalismo? Não sei as respostas, afinal nunca fui médico. Conheci um, e dos melhores, o meu pai. Quanto à outra, nem sei mais se sou jornalista, na acepção do termo. Quem eu sou? Mas não paro por aí, porque o jogo é para todos. Quem é você?

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Aparências

Sem tempo de escrever o que a passagem do tempo me faz esquecer. Sem tempo de reivindicar o que o dito pelo não dito me fez acreditar. Sem tempo de responder por que ousei telefonar. Sem tempo de ser atendido por aquele que não soube me informar. Sem tempo de entender o que o telemarketing não quis explicar. Sem tempo de esconder aquilo que eu mesmo evitei encontrar. Sem tempo de chorar pelos sorrisos que me obriguei ocultar. Sem tempo de  comunicar a raiva  que insisto em esmagar. Sem  tempo para palavras que vão além do twitter mental. Sem tempo de amar, por medo de parecer sentimental.

sábado, 24 de agosto de 2013

Direções

Se alguém lhe sorri pela frente, pode lhe fazer careta pelas costas. E você fica sempre a ver navios. Navega, navega e não encontra respostas. Na saída de Sodoma anjos disseram. Não olhe para trás para assim vencer o mal. Vá na direção que aponta a estrada. Não transforme sua lágrima em estátua de sal.

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Confusão

O advogado tributarista a excluiu de seu facebook antes que ela continuasse a esnobar seus telefonemas. Ela, empresária de curvas e orgulho realçados, ficou indignada. Contou para seu irmão, diretor de uma multinacional, que fez questão de excluí-lo daquela rede social, como represália. Fim de uma amizade de longos anos entre ambos, o advogado e o diretor. Mas não ficou por aí. Ofendido, o advogado contou o o que aconteceu, via mensagem inbox, para a prima do diretor, que fora sua namorada. Ela não titubeou e, tomando as dores do antigo parceiro, quem sabe alimentando alguma esperança, apagou o primo de sua relação de amigos. O primo, ou melhor, o diretor, se sentiu traído. Desabafou o ocorrido para o seu melhor amigo, um jornalista, também amigo da prima de um e ex-namorada do outro. O jornalista não teve dúvidas em dar razão ao amigo e de uma vez deletou a amiga e a irmã dela. Esta não entendeu nada. Apenas ficou possessa e exigiu que seu marido arrancasse a irmã do jornalista de seu círculo eletrônico. A irmã, que no início não tinha nada a ver com a história, contou para o pai, um velho comerciante do ramo de tecidos que só agora tinha aderido à internet. Ele, com seu bigodão e seu corpo atarracado, sempre resistira à informática, temendo se mecanizar com o mundo dos tablets e i-pods. Sua linguagem simples sempre lhe dizia que tudo aquilo é invencionice e o que vale mesmo é o olho no olho, o aperto de mão. Ainda assim, entrou na onda e clicou pelo desaparecimento (de quem mesmo?) do...amigo da filha, marido da irmã do jornalista. O universo da tecnologia é mesmo dinâmico. Pessoas se encontram e se despedem em um clique. Tudo parece rápido, prático, o circuito dos vitoriosos. Mas no fundo um descarte de alguém no facebook também significa uma ofensa. Como era antigamente uma carta não respondida. O ser humano continua o mesmo, apenas com outros instrumentos, mais exuberantes e tecnológicos. Quase mágicos. Quase, porque o sentimento jamais será digital. No fim, quem se deu mal foi o pobre senhor, comerciante das antigas e pai exemplar. Justo ele, tão resistente à nova era. Perdeu a causa em um processo que movia há anos para recuperar uma venda bloqueada pela Receita. Quando foi ver, o excluído de seu face era ninguém menos do que o advogado tributarista, seu defensor. Este mundo virtual é mesmo muito pequeno...

sábado, 17 de agosto de 2013

Parado

Entro no metrô apinhado. Tenho claustrofobia. Bolsas, mochilas, cachecóis e sobretudos remetem a uma tarde fria. Mas estão longe dela naquele momento.Viro de lado, todo espremido. Incomodado, estico os braços e me seguro na barra de ferro.O trem entra em movimento. Solavanco. Aquele silvo do ferro nos trilhos. Aquela sensação de estar em uma montanha-russa. A mão escorregando, o corpo se segurando. Um leve enjoo emerge da velocidade desenfreada. Então a composição para, no meio do túnel. Repentinamente. As respirações ofegantes se cruzam. Assim como os olhares. Sufocado, olho para a moça de jeans e suéter preto. Seu rosto tem espinhas, os dentes mostram um aparelho enquanto ela fala no celular. A proximidade dos passageiros faz com que se conheçam um pouco. Um praticamente se enrosca no outro. As marcas da pele, os pelos no rosto, as falhas nos cabelos. Até lágrimas não detectáveis à distância driblam a maquiagem das moças. O batom borrado, as unhas pintadas, os decotes, os gostos, os livros. Olho para o homem de cara gorda, comunicativo, que me diz que este trem é das antigas. Peço ajuda com o olhar. Quero gritar. Está tudo parado. Pela janela, vejo apenas as paredes escuras embaixo da terra. Imagino a agonia que os judeus não sentiam ao serem enviados aos campos de concentração em trens imundos e lotados. A impessoalidade dos condutores me faz lembrar da frieza nazista. Nem uma palavra de conforto. Nem mesmo uma explicação, dizendo “calma, estamos resolvendo tudo e vocês estão seguros”. O silêncio traz a mensagem cifrada de que este é um serviço público, já estamos fazendo o favor de levar vocês por um salário baixo, portanto aguentem. Ou, simplesmente: “se virem”. Viro-me, com esforço, encosto em um senhor pobre, barba rala e branca, rosto desgastado. Ele não parece preocupado. E nem me acolhe com um gesto amigo. Olho de um lado a outro em busca de aconchego. Fico imaginado se, caso me desespere, serei auxiliado ou passarei vexame. Não arrisco desafiar aquela urbanidade impessoal. Resisto. Desvio dos meus pensamentos do tipo: “e se nunca mais você sair daqui?”. Sinto o suor por debaixo de minha camisa. A angústia começa a ficar insuportável. Até que, enfim, irrompe um barulho de despressurização e a embarcação anda. Devagar, parecendo ser empurrada. E finalmente chega à plataforma. As portas se abrem, o frescor da noite entra no vagão e alivia. Eu não pago para ver. Já paguei, e para sair. Desço na hora. Sinto o corpo trêmulo, as pernas bambas, como se chegasse de uma tensa viagem de avião. Observo o trem se distanciar e a multidão se aglomerar a espera do próximo. Preferi voltar a pé, cansado após um longo dia. Temeroso em passar vexame, diante de falha tão corriqueira. Ainda mais claustrofóbico. Já eles, ficarão. De um jeito ou de outro, coitados de nós.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Skype

Um livro é uma entidade física, a interagir conosco como se fosse alguém. Por isso ler um e-book é como conversar com outra pessoa por skype. Algo importante, mas incompleto.

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Banda

Chova ou faça sol. É um respondendo à altura para o outro. Ninguém levando desaforo para casa. Cada qual achando que está certo. Os olhares retos, para o alto. Malignamente competitivos. Se desviados, não mostram acolhimento. As falas duras, no máximo meramente profissionais. As aparências emergindo das sombras interiores para tentar demonstrar superioridade. Então vem o papa, prega humildade e todos admiram, reverenciam, multiplicam juras de mudança. Basta ele ir embora e tudo volta ao normal. Uma imensidão de farpas e um latifúndio de indiferença voltam a pulular pela mídia, nas esquinas, nos escritórios. Como se a responsabilidade fosse dos santos, não nossa. Depois da banda passar, cantando coisas de amor...depois da banda passar cantando coisas de amor...

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Modernidade

O rio corta a mata. As folhas roçam a água. A brisa conduz o barco. Uma linda mulher e um homem. Um clima de contemplação. O amor é sempre romântico, seja ele bucólico ou pop-punk. O amor é sempre moderno. Atualiza-se em nossa alma dia a dia. Atrás de novidades. À espera de um sorriso, um gesto, um aceno, que colorem e enlouquecem nossas vidas como se elas fossem os trajes psicodélicos de David Bowie. Modern Love, com outra roupagem, mas com a mesma essência...

http://www.youtube.com/watch?v=PW8pEV6B2Ew

Otimismo

Um santista me disse que vê o lado bom da vida e que por isso não achou tão ruim os resultados do Santos contra os últimos dois campeões mundiais: uma derrota e um empate...

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Subterrâneos

Segundo o jornal Valor Econômico, São Paulo tem 74,3 km de metrô, desde que a cidade começou a construção deste meio de transporte, em 1970. A Cidade do México, que iniciou os trabalhos no mesmo ano, chegou a 226 km. Tóquio tem 328 km de linhas de metrô. Nova Iorque, 337 km e Londres, 402 km. Em cerca de cinco anos, Barcelona remodelou seu sistema metroviário, que totaliza 113 km, visando à Olimpíada de 1992. O mesmo Valor Econômico constatou que, em São Paulo, para cada km de metrô ser construído demora em média 1,7 ano. Se as denúncias sobre cartel e licitações em São Paulo forem comprovadas, aquele execrável chavão de malufistas, o "rouba mas faz", voltou piorado. Agora seria o "rouba e não faz". Parece que a única coisa que a política de transportes brasileira e o metrô têm em comum são os subterrâneos.

Jogador

Estou de volta. Sem emprego, sem amigos, sentindo-me como um ex-jogador famoso no esquecimento. Mas há diferenças, nunca fui famoso. E ainda estou no jogo.

terça-feira, 30 de julho de 2013

Barceloneiros

Tenho falado de esquadrões ultimamente. É uma forma de unir o passado ao presente, ser saudosista mas ao mesmo tempo reconhecer que o que vivemos agora também tem suas belezas. Tudo isso só para dizer que, vendo o Neymar chegar ao Barcelona, passei a torcer para que ele ganhe um lugar neste time de brasileiros: Jaguaré; Daniel Alves, Henrique, Marinho Peres e Maxwell; Fausto, Giovanni, Ronaldinho Gaúcho e Rivaldo; Romário e Ronaldo. Ressaltando que Evaristo de Macedo também foi ídolo na Catalunha.

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Lenda

Sempre achei Djalma Santos um nome pomposo. De alguém antigo. De família quatocentona. Que já não estivesse mais entre nós. Surpreendi-me, quando criança, com a resposta de meu pai, após eu ter lhe perguntado há quanto tempo Djalma Santos havia morrido. “Morreu nada, tá bem vivo, mora, se não me engano, no Interior”. Além da surpresa, algo em mim se tranquilizou. Era uma espécie de calmante contra a mortalidade saber que Djalma Santos ainda estava entre nós. Via, nesse exercício imaginativo, porque ele nem era tão velho assim, um toque de longevidade. Vibrei com aquele sinal de que a vida tem continuidade, de que o passado não se extinguiu todo no pó do esquecimento. Fiquei satisfeito pelo fato de aquele nobre nome, tão distante para mim, não ser apenas saudade. Quando o assistia em entrevistas, desde então, sua simplicidade, que diferia da imagem de quatrocentão, e seu sorriso espontâneo, de um ex-sapateiro humilde e simpático, eram uma espécie de bálsamo para mim. Pensava que, nesta ciranda de mudanças rápidas que o mundo propicia, algo do passado permanecia intacto com sua presença, como uma relíquia a manter uma mensagem atuante e atual. Djalma Santos era o pretérito perfeito. Era a prova física, com olhar rejuvenescido, daquilo que se foi com o tempo. Era uma espécie de cronologia do futebol, esbanjando vigor em seu alcance quase infinito. Ele simbolizava, enfim, o topo de uma árvore genealógica que havia fincado raízes, dado frutos, mas que se mantinha firme e forte, nas alturas da glória.Vou ter de repensar algo com sua partida. A derradeira. Nem para morrer ele foi expulso. Saiu de cena lentamente, tranquilamente, como foram sua ascensão e sua carreira. Foi embora discretamente, sem tanto destaque, como ele mereceria. Mas bem como ele gostaria. Repensar para mim, é trazer aquela existência concreta para algo real e abstrato, como um retrato de Monalisa, moça que por obra da Arte, se mantém tão viva quanto misteriosa. Não sei como, mas vou ter de fazer algo assim com Djalma. Só que por meio do futebol, em todos os momentos que a bola, outra a ter de rever conceitos, simplesmente rolar. A primeira coisa que gostaria de fazer é, para mim, tirar um dos “s” daquele nome pomposo, agora mortal. E colocar um número 1. Djalma Santo 1. Daqueles idos tão longínquos, só permaneceu Nílton Santo 2. O papa está por aqui e bem que poderia aproveitar e canonizar os dois para o mundo do Esporte. Porque, no futebol, tanto Nílton quando o saudoso Djalma, são, além de lendas, os maiores Santos.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Hermanos

Em homenagem ao papa Francisco, minha seleção argentina de todos os tempos. Fillol; Zanetti, Ruggeri, Passarella e Marzolini; Nestor Rossi, Pedernera, Di Stéfano e Maradona; Batistuta e Messi. Técnico: Carlos Bilardo.

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Morumbi

Nota-se que há algo estranho no reino são-paulino quando Aloísio parece se achar superior e não passa a bola para Ganso. O clube, como na história de Hamlet, se esqueceu do futebol para entrar em um jogo de vaidade e poder.

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Partes

Não acredite que o egoísmo de um rabino anula os ensinamentos da Torá. Não ache que o fanatismo e o terror maculam a sabedoria de Alá. Não pense que os desvios de um padre estragam a Igreja e sua mensagem. Não permita que um humano selvagem destrua a beleza da paisagem. Não veja a vida assim a ferro e fogo. Não confunda uma parte com o todo.

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Colheita

Colho, na noite estrelada, alguns raios de luar. Levo-os ao meu peito e, quando te beijo, os vejo surgir na luz do teu olhar.

terça-feira, 16 de julho de 2013

Reunião

Diretor da empresa. Estatura média, rosto comprido. Jeito pacato. Sua postura serena me envenena. Olhos pequenos, olhar incógnito, joga uma frase no ar. Ela entra em minha mente, começa a dançar. Pula de um lado ao outro. Verdade, mentira, mentira, verdade? As palavras são pendulares. Mudam de acordo com o sentimento. Acordam de outro jeito, depende do momento. Oscilam como o vento. Se perdem, se esquecem, se diluem no tempo. Atrás de sua mesa, ele me disse que ligaria (depois nunca mais ligou). O que por trás daquele rosto liso haveria? Boa intenção? Talvez alguma irritação. Escondida. Perdida. Sua postura discreta, quieta, quase fria, faz seu sorriso diáfano. Monalístico. Se é que o termo existe. Incógnita que resiste. Ele finge ou será uma esfinge? Um instante, um segundo. Silêncio profundo. Lá embaixo do prédio o grito de um vagabundo. O som entra no escritório, vem ao meu mundo. Serei eu o vagabundo? Ele ergue os olhos, ameaça contar meu segredo. Me mexo na cadeira, com certo medo. Como descobriu se eu não dei nenhum pio? Quase apelo. Sou ingênuo mas não revelo. Quer saber? O vagabundo é você. Diga o que pensa. Tente. Não invente. Então entra a linda secretária. Chama a atenção, como se cantasse uma ária. Faz enfim ele falar novamente. Mas será que ele mente?

Escriba

Sonhei que estava escrevendo um romance que vinha de dentro de mim. Acordei diante do computador.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Forasteiros

Falavam português com sotaque. A maioria espanhol. Mas amaram o Brasil mais do que muitos brasileiros. Não eram imigrantes comuns, daqueles que aportavam em navios sem nada nas mãos. Nem por isso deixaram de desbravar um mundo desconhecido. Tiveram méritos dobrados. Embarcaram em uma aventura, movida a pasión, llamada futebol. Ou fútbol. Descobriram mais de sua arte atuando nos campos enlameados ou aveludados do Brasil. Conheceram o lado bom e o ruim de nosso território, refletindo tantas vivências em suas próprias personalidades. Um pouco de chimarrão à noite na concentração. A lembrança do Candombe no quarto do hotel. La próxima pelea. La vida. Hoy, estão viejos, em sua maioria. Olham para o espelho com cabelos ralos, barba embranquecida, pele flácida. Um pigarro, um cigarro ou uma taça de vinho. Uma dose de uísque embala a recordação. De quem eram e de como se tornaram quem são. Orgullo. Fizeram desta terra seu segundo lar. Foram humildes para ter a ousadia de ensinar futebol por aqui. E corajosos para aprender o que a muitos assustaria: o drible, o toque, a ginga com tempero de samba. E bailavam en la cancha. A memória já vai se dissipando. Como uma nuvem escura. A voz já se tornou mais cansada. Já não são tão ouvidos como nas entrevistas. Esqueceram-se de algumas expressões. Alguns se sentem esquecidos. Mas o som da multidão cantando seus nomes ainda alimenta aquela sensação gostosa de reconhecimento. Um dia, muito a contragosto, tiveram que dizer me voy. E sentir que saudade é uma palavra que só existe em português.
Gracias, Rodolpho Rodriguez; Arce, Figueroa, De León e Sorín; Rincón, Darío Pereyra, Petkovic e Pedro Rocha; Romerito e Tevez, representando outros como Gamarra, Forlán, Ancheta e todos os estrangeiros que fazem e fizeram sucesso no futebol brasileiro.

domingo, 14 de julho de 2013

Porrada

A jaula é o meu reino. Subo no Octógono e me sinto bem. Posso bater ou apanhar, ganhar ou perder, matar ou morrer. Outro dia encarei um adversário duro. Pura trocação. Parti rápido para o ataque, acertei chute, busquei o chão para dar chave de braço. Procurei o ground and pound. Ele foi de costas para o chão. Meio tonto. Aproveitei e detonei o rosto dele. Eu tava irado. Quando o adversário dá mole, tem de aproveitar. Não pode bobear. É bater, dar cotovelada, chute, até não poder mais. Se for triângulo tem de ser pra quebrar. Isso é o MMA. Antes era vale-tudo. Mas hoje se chama MMA, nome pomposo, pra mostrar que tem regra. É esporte nobre. De inteligência, estratégia. Se o cara tomar um triângulo e não bater na lona, ou o juiz não ver, problema dele. Quebra o braço, e daí? Se outro for no bate-estaca e socar com o cara já desacordado, caído no chão, é o juiz que tem de decidir. Quem bate não pode travar. Pelo esporte. O juiz vacila e o desafiante morre, a culpa está com o juiz. Frouxo é quem para de bater. Não tem respeito pelo que faz. Trocação, estrangulamento, alavanca, chave... O meu mundo. A cara gorda do lutador tava amassada. Eu não perdoei, bati mais. O juiz foi quem interrompeu. Fiz minha parte. Por isso estou aqui contando esta história, cheio de dignidade. Sou campeão. É o esporte. Vale o leite das minhas crianças. Ninguém me deu comidinha na boca na infância... Juiz mole só passeia e deixa morrer. Fora da plataforma, sou como qualquer um. Fico na minha. E se você, que me lê, disser que MMA é violento, pode esperar. Tu tá errado. Te encho de porrada. Na boa. Tamo junto, sou da paz.

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Medo

Uma coisa é o pensamento negativo. A outra, a dinâmica positiva. Os que fazem sucesso são aqueles que têm medo do fracasso.

Direito

Se você responde a um invejoso, o torna uma vítima. Ele tem o direito sagrado de sentir inveja, inerente a todos. A melhor resposta a um invejoso é a compreensão.

terça-feira, 2 de julho de 2013

Padrões

O Brasil na Copa das Confederações: Educação - padrão Namíbia. Saúde - padrão Bangladesh. Transportes - padrão Zâmbia. Segurança - padrão África do Sul. Corrupção - padrão New York, de Boss Tweed. Beleza - padrão Taiti. Manifestações - padrão Paris, 1968. Estádios - padrão Fifa. Futebol - padrão Brasil.

Padrão

Na Copa das Confederações, a Espanha jogou um futebol padrão Fifa. Já a seleção brasileira foi mais além. Jogou um futebol padrão Brasil.

Afecções

Sem transpiração não há inspiração. Como Espinoza dizia, o movimento gera a afecção da alegria, que gera novos movimentos e estes fazem a engrenagem humana funcionar.

domingo, 30 de junho de 2013

Confederações

Ao interceptar um chute de Pedro quase embaixo do gol, David Luiz repetiu o que Amaral fez contra a Espanha em 1978. Naquela Copa, o brasileiro salvou dois chutes, um de Cardenosa, em cima da linha. Todas as crianças, por alguns anos, gritavam "Amaraaaal", sempre que tiravam bolas perigosas nos joguinhos da escola. E sobre o futebol que a seleção brasileira jogou hoje, contra os espanhóis, dá até para repetir o bordão que se usa para criticar a infraestrutura do Brasil para 2014. Mas na forma de elogio. "Imagina na Copa."

terça-feira, 25 de junho de 2013

Aragem

Saiu de madrugada para levar seu fiho ao aeroporto. O silêncio e a aragem fria o remeteram a outros tempos, na longínqua adolescência. A madrugada, no entanto, era a mesma. O mesmo aroma urbano. O mesmo balançar das árvores. O mesmo barulho distante dos carros. As mesmas esperanças. Madrugadas, assim como aeroportos, são convites à reflexão. Brincam com o tempo e o espaço, revelando suas faces transitórias. E vem o amanhecer, que de repente explode em traços de silêncio e luz, como dizia D'Annunzio. E depois de algumas horas, aterrissamos em outras paragens. Proust já dizia sobre o tempo e seus quadrantes. A viagem de um filho é uma grande transição. É a repetição de antigas expectativas diante do desconhecido. Só que a aventura agora vem dividida. Entre ele e nós. Como se a vida fosse uma espiral de emoções em que, de épocas em épocas, as experimentamos novamente, com temperos diferentes. Parte de nós vai com nosso filho. Outra parte fica com a família que não foi. Parte de nós vive o momento. Outra parte ainda está na adolescência. Parte de nós lamenta as agruras da maturidade. A outra insiste em sorrir diante delas. Parte de nós reside hoje em nossos filhos. A outra parte procura a individualidade de outrora. Muitos sonhos se foram nessas viagens cíclicas. Mas ficaram o silêncio, a aragem e o aroma urbano. A madrugada, enfim, é sempre a mesma.

terça-feira, 18 de junho de 2013

Protesto

A Fiat tem razão. Vem pra rua, protestar contra o excesso de carros.

Espera

O SUS tem sido grande fonte de receita da indústria de analgésicos. Um homem chegou com a perna fraturada. O enfermeiro do hospital lhe disse, antes da espera de nove horas: "pegue a senha e tome um analgésico." O mesmo ocorreu à menina com crise de apendicite. "Tome este analgésico e aguarde", orientou a atendente, diante da mãe atônita. A funcionária da fábrica, ao chegar com a mão perfurada, também foi medicada: um analgésico para amenizar a dor. Receita idêntica foi dada à mulher em trabalho de parto. "Tenha um pouco de paciência, vou lhe dar este analgésico." Com tanto analgésico, agora entendi por que o Brasil é chamado de Gigante Adormecido.

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Conversa

Um dia sonhei que conversei com Deus. De um jardim florido, eu dizia. "Manifestantes na rua são vândalos e não respeitam a democracia." E olhava para as nuvens, que abafavam os raios fortes do sol, mas não ocultavam sua luminosidade. "Não é bem assim", uma voz me dizia, vinda do alto. "A polícia é covarde e se comporta como nos tempos da ditadura", eu dizia. "Não é bem assim", ouvia. "Obama jogou fora sua credibilidade com escutas e rastreamento de e-mails." "Não é bem assim." "Deixei de torcer pela seleção brasileira porque na CBF só tem corruptos." "Não é bem assim." "Antigamente tudo era melhor, mais humano. Nos tempos de hoje só vemos violência." "Não é bem assim." "O brasileiro cansou de sofrer, sente a inflação voltar e por isso surgiram os manifestantes da Paulista." "Não é bem assim." Eu: "então me responda, por favor." Ele: "os manifestantes surgiram porque representam jovens que se cansaram de não ser ouvidos. Não ser ouvidos por um mundo alucinado, embebido de egoísmo, ambição e fúria, que tenta engolir o que vocês têm de bom. Muitos homens hoje são um pouco nazistas no descaso com as questões alheias." Eu: "Por tudo isso, me sinto cansado. Bato em portas que não se abrem, me deparo com a frieza humana, estou farto de ser fechado na rua, de competir para sobreviver, de viver nesta selvageria maquiada de aparência, na qual os desonestos são os outros." Ainda eu: "Não nos reconhecemos humanos, profanamos o sagrado, questionamos a moral como adolescentes que sonham com uma falsa liberdade, a libertinagem do poder, do dinheiro ou das convicções impostas. Por isso quero fugir, não ver mais ninguém, me isolar, antecipar a morte do meu nome, carimbar o esquecimento em cima de uma montanha e colocar uma placa na porta da minha cabana, como fez Herman Hesse. 'Humanos, não perturbem'". Silêncio. Eu, já anoitecendo, a nuvem se esvaindo: "Não vai me responder?" Ele: "o que quer que eu diga?" Eu: "Não é bem assim."