A neutralidade não existe. O homem é apaixonado desde que
nasceu. O único problema é que às vezes ele se apaixona por algo que não
contribui: o próprio ego, as próprias opiniões, as armadilhas do poder, o
dinheiro a qualquer custo e até o time de futebol, em alguns casos. São paixões
que cegam, escondem outras paixões que poderiam clarear, mesmo que doam. Não há
saída. Até o ateu é um radical convicto, embebido de paixões por sua própria
religião sem Deus. Melhor então é se apaixonar por algo bom, superando a relatividade
do termo. Também o mais ponderado dos homens é um apaixonado em turbilhão. Ele vive para controlar suas paixões mais incendiárias. As coloca na hora certa. Se cala
quando é preciso. Busca falar o que é necessário. Estuda, aprende, procura
ouvir o outro. Sua aparente frieza esconde algo intenso dentro dele, que mantém
aquecido seu espírito indômito, sempre em busca de uma solução justa. Até
quando erra, seu esforço é hercúleo para não se culpar. Mesmo assim, nem sempre
ele consegue. E se lamenta, como um abandonado pela amante. Em seu íntimo,
enfim, também se agita um frenesi pelo abstrato. Nele mora a obsessão de unir o
visível ao invisível. Ele se move pelo desejo incansável de dar contornos ao
subjetivo, tornando-o um corpo consistente e objetivo. Este homem ponderado não
deixa de ser um obsessivo, com seu coração pulsante. Um torcedor de
arquibancada que vibra pela vitória do time da verdade. Mas não perde a calma quando vencem paixões como a corrupção e a violência. Mesmo
sendo doloroso, ele não abre mão dela. Só não é um black bloc em sua defesa
porque a estaria anulando. Muitas vezes ele paga o preço pelo anonimato, por
não atrair os holofotes, como sua vaidade - outra de suas paixões - gostaria. Ele
apenas a observa, com devoção, desfilar com seu traje elegante, como uma linda professora
de primário cheia de livros ao seu redor. Ela aponta caminhos, alimenta
esperanças. Sorri de maneira assertiva e acolhedora. Então ele agradece por ter se submetido a ela, sua musa, sua diva, a
Cleópatra de suas paixões. Por quem daria a própria vida e que se chama
sabedoria.
quarta-feira, 25 de dezembro de 2013
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