sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Always

Um dia achei o céu da Califórnia o mais lindo do mundo. Estava com 25 anos e acompanhava a Copa do Mundo, percorrendo com meus amigos as estradas bucólicas da região, margeando o rio às gargalhadas, contemplando o reflexo do sol nas águas e admirando as montanhas que cresciam e se multiplicavam ao nosso redor. Naquele tempo, todo sonho era possível. Parecia se realizar em meio à paisagem encantada. As brincadeiras no quarto do hotel, os longos almoços nos restaurantes, as comemorações com vários grupos à noite, davam um colorido àquele momento. Tudo remetia à plena sensação de liberdade, de descompromisso com as agruras da vida, de certeza na amizade eterna. Parecia, sob aquele céu azul luminoso, que aquilo jamais acabaria, como um vínculo que a maturidade e os compromissos da vida - casamento, filhos, trabalho - seriam incapazes de dissolver. Talvez não seja coincidência que a música mais ouvida por nós, a que marcou aquela viagem, foi Always, do Erasure. Tinha uma textura estonteante, que mesclava um instrumental eletrônico com uma voz melodiosa do vocalista, assemelhando-se a uma sinfonia ritmada. A letra diz algo sobre harmonia, compreensão e vínculo permanentes, descrevendo como eu sentia minha juventude cheia de sonhos e de amigos, a me ajudarem a superar a solidão e o medo do futuro. Uma juventude tão reluzente e forte como o céu da Califórnia. Acontece que não foi bem assim, depois de tanto termos cantado juntos aquela música. Outro dia, em um cruzamento, revi um daqueles amigos e senti a frieza em seu olhar, como se aquele azul celeste tivesse se descolorido de sua lembrança. Desconfiei até que ele queria se esquecer daquele tempo, da promessa tácita de que o valor dos amigos jamais se dissolveria na ciranda de cifras e problemas que viriam no mundo pós-onírico daqueles dias. Não foi bem assim e eu fiquei bravo. Ele disse que não poderia ir à festa do meu filho por já ter um compromisso banal. Mostrou-se indiferente. Irritei-me com a mesquinhez que o tinha assolado tão facilmente. Senti-me traído por ele ter se entregue à ânsia do egoísmo. À noite, ainda atônito, estava quase telefonando para desabafar minha frustração. No mesmo instante, porém, do rádio começaram a sair as primeiras batidas de Always, que eu não ouvia há muitos anos. Por acaso ou não, aqueles tempos californianos retornaram de supetão, junto com a locomotiva da música, me levando como um túnel que empurra rumo ao passado e nos faz sentir de novo emoções adormecidas. Foi um sopro de vida. Foi como se a melodia abrisse meus olhos. "Abra seus olhos, eu vejo, seus olhos estão abertos. Não use nenhum disfarce comigo. Venha naturalmente", diz a letra, a qual adaptei para a amizade entre duas pessoas. E tudo veio naturalmente. Desisti de telefonar, graças à música que ainda permanecia em mim como um resquício daquilo que se foi. Por causa dela, eu voltei a ficar de bem do meu amigo. Para sempre. Mesmo que ele não soubesse de nada disso.
http://www.youtube.com/watch?v=lWqJTKdznaM

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