sexta-feira, 14 de junho de 2013

Conversa

Um dia sonhei que conversei com Deus. De um jardim florido, eu dizia. "Manifestantes na rua são vândalos e não respeitam a democracia." E olhava para as nuvens, que abafavam os raios fortes do sol, mas não ocultavam sua luminosidade. "Não é bem assim", uma voz me dizia, vinda do alto. "A polícia é covarde e se comporta como nos tempos da ditadura", eu dizia. "Não é bem assim", ouvia. "Obama jogou fora sua credibilidade com escutas e rastreamento de e-mails." "Não é bem assim." "Deixei de torcer pela seleção brasileira porque na CBF só tem corruptos." "Não é bem assim." "Antigamente tudo era melhor, mais humano. Nos tempos de hoje só vemos violência." "Não é bem assim." "O brasileiro cansou de sofrer, sente a inflação voltar e por isso surgiram os manifestantes da Paulista." "Não é bem assim." Eu: "então me responda, por favor." Ele: "os manifestantes surgiram porque representam jovens que se cansaram de não ser ouvidos. Não ser ouvidos por um mundo alucinado, embebido de egoísmo, ambição e fúria, que tenta engolir o que vocês têm de bom. Muitos homens hoje são um pouco nazistas no descaso com as questões alheias." Eu: "Por tudo isso, me sinto cansado. Bato em portas que não se abrem, me deparo com a frieza humana, estou farto de ser fechado na rua, de competir para sobreviver, de viver nesta selvageria maquiada de aparência, na qual os desonestos são os outros." Ainda eu: "Não nos reconhecemos humanos, profanamos o sagrado, questionamos a moral como adolescentes que sonham com uma falsa liberdade, a libertinagem do poder, do dinheiro ou das convicções impostas. Por isso quero fugir, não ver mais ninguém, me isolar, antecipar a morte do meu nome, carimbar o esquecimento em cima de uma montanha e colocar uma placa na porta da minha cabana, como fez Herman Hesse. 'Humanos, não perturbem'". Silêncio. Eu, já anoitecendo, a nuvem se esvaindo: "Não vai me responder?" Ele: "o que quer que eu diga?" Eu: "Não é bem assim."

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