segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Banheira

Ninguém daria nada pela pança e a cara redonda. Ar de surfista aposentado. Cabelos loiros bem curtinhos. O apelido? Vanusa.  Mas ele nem ligava. Fingia ficar bravo para depois soltar uma brincadeira. A verdade era que o playboyzinho não jogava nada. Vivia no parque, com a camisa na mão, de bermuda e tênis sem meia. Conversava sem diferenciar grupinhos de garçons, pedreiros ou engenheiros. Às vezes até fumava com os caras lá atrás das árvores. E quando saía já se enturmava no jogo. Campo de terra batida. Fincava-se lá no canto, tipo banheira, pedindo bola. E o pior é que ela vinha. Ele chutava de canela. Cruzava torto.  Acertava a orelha da menina, ela pegava um efeito estranho e saía.  Ele, então, olhava para o outro lado. Fazia cara de paisagem. Incrível era participar de todo jogo. Até a bola, tão maltratada, parecia gostar dele. O cara vencia a grossura apenas com seu ritmo de maresia, na base do papo amigo. Seus xingamentos eram bravatas, levantavam o pessoal, que continuava a passar a bola. “Pô, vai se....” gritava, todo prosa, quando o passe vinha errado.  Jeito de moleque em corpo de cinquentão.  Não se envergonhava em dar de dedinho, de rosca ao contrário. Furava, escorregava.  Continuava acionado. E exalava seriedade antes do encontro desastrado. Quando marcava gol, a festa e a gozação eram gerais, tamanha a raridade do feito. Mas insistia. Resistia. Acreditava e se divertia. Quem jogava bem eram os outros. O Negão, cheio de domínio de bola. O Batuta e o seu drible mágico. O Alê, esbanjando visão de campo. Quase se profissionalizaram. O time era supimpa. Mas o centro da pelada era ele. Ele se garantia. Sempre se encaixava, cativando e integrando o espírito da brincadeira àquelas tardes sem fim. Estando ou não empregado. Feliz ou triste no amor. Ele não tinha toques mágicos. Faltava-lhe faro de gol. Porém lhe sobrava a espontaneidade do futebol, que fazia daquele perna-de-pau o jogador preferido do parque.

Nenhum comentário:

Postar um comentário