sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Estranho

Que estranho existe em meus sonhos, escondido, pensando em fantasmas que já morreram, aprisionado em um passado imaginário? Acorda, no meio das noites, sufocado por um soldado sanguinário de Roma. Ou por um inquisidor medieval. Ele se imagina estranho, gauche como diria Drummond. Necessitado que o conduzam, tal qual um cadeirante definhando na vergonha. Ele acredita ser o avesso do avesso de Caetano. O inverso do sucesso de Armentano. O estranho afundou sua imagem no espelho distorcido do Monte Serrat. Pensa que é estranho a si mesmo. Não se permite ser o sorriso cativante da modelo. Nem o drible fantástico do craque. Tampouco o diploma ostentado no escritório do grande médico. Ele até gostaria de ser o prêmio na prateleira do escritor renomado. E o dinheiro a dormir nos cofres do banqueiro. Aceitaria, de bom grado, ser a esperança que pulsa no coração do jovem. Mas não consegue. Pensa que é o último dos últimos porque nunca se aceitou. O estranho, por medo, esconde seu potencial. Ele adia, desvia, me expia, me irrita e evita o encontro comigo. Escapa pelo vale infinito de suas divagações. Mente para si, apenas ostentando seu conhecimento do mundo exterior. E para mim, quando cobre com um manto seu universo interior. Vem sempre com respostas evasivas. Óbvias até. Filhas do psicologês, como “preciso ter confiança em mim”. Mas, na real, desemboca na velha desculpa, no momento de se expor de corpo e alma. “Hoje eu não posso ir até você”, repete, como um fantasma da ópera traumatizado. “Não tenho tempo”, dramatiza, esquecendo-se que ele é o próprio tempo perdido. Igual à fera enjaulada em seu castelo por séculos. E eu insisto, há milênios, no papel de um heroi cavalgando em busca de seu ideal. “Estranho, venha a mim, quero conhecê-lo”, clamo. As palavras ecoam por montanhas, cidades, batem em muros, cavam túneis, navegam por mares, retornando sempre opacas e solitárias. Roçam meu peito como frágeis pedras de gelo e desmaiam derretidas no chão. Não desistirei desta aventura, porém. Até um dia eu deixar de ser um estranho para ele. E poder enfim, me ver por inteiro.

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