quinta-feira, 9 de maio de 2013

Sr. Bruno

Estou no pátio do meu prédio. Noite límpida. Olho para as estrelas e, da luz de uma delas, imagino o semblante de meu tio, que se foi na semana passada. A aragem fria conforta meu turbilhão interior. As folhas das palmeiras balançam, como se tentassem acariciar minha contemplação. Era muito próximo dele, mas fiquei sabendo da notícia apenas hoje. Não nos víamos havia tempos. Ele morou cerca de três anos em Salvador, distante de nossa família. E morreu pouco depois de minha tia ter falecido, há menos de um ano. Também não se viam, por questões alheias à vontade de ambos. Não tinham filhos juntos. Mas construíram uma história bonita, de quase quarenta anos. Acompanhei tudo desde criança, compartilhando momentos de afeto e alegria. Passávamos temporadas em Santos, almoçávamos juntos, era alvo de brincadeiras, conversávamos sobre futebol. Não vou dizer que o afastamento entre eles foi de todo triste. Foi real, como se o destino tivesse falado mais alto do que as promessas de casamento. Aí entram velhice, esquecimento, rancores familiares e outros fatores. A verdade é que, olhando para a noite tranquila, fico até com vontade de escrever um livro sobre o casal. Olho para o playground vazio. À tarde, o som da algazarra das crianças tomava conta do local. Agora ele parece apenas refletir o espectro do passado recente. Por que, pelo menos por um momento, a roda febril da passagem dos anos não pára um pouco? Por que não podemos experimentar, nem que seja por um dia, a eternidade dos instantes? Assim poderíamos estacionar nossas angústias nesta pausa. Curar feridas, superar traumas, prolongar sonhos e estudar a melhor maneira de realizá-los. Poderíamos também voltar ao passado, reviver saudades, matar inclusive a própria morte. Incorporar a totalidade da vida, dos lugares, do tempo. Sim, me dá vontade de escrever sobre eles, meus tio e tia. Fazer com que vivam por aqui um pouco mais na minha realidade fantástica. Seria egoísmo terreno ou uma homenagem celestial? Talvez os dois. Mas tenho dúvidas se conseguiria escrever um romance sobre eles. Seria difícil. Escreveria este livro com tanto amor, mas tanto amor, que, durante sua realização, não sei se eu seria o escritor ou o mais apaixonado leitor de suas vidas.

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