quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Data

Algumas datas são marcantes para o comportamento de uma sociedade. A angústia em lidar com medos diante da fragilidade humana, dos reveses da vida e, por que não dizer, do mal, é capaz de colocar em uma efeméride a tentativa de digerir este dilema. Na maioria das vezes, esta tentativa é incompleta. Em vez de se libertar, o homem fica preso às tragédias, alimenta o seus receios em relação aos semelhantes, esfria perspectivas de um futuro que acolha estes temores e, por medo de mudar, adia novas alternativas de um mundo melhor. O 11 de setembro, quando ocorreram os atentados nos Estados Unidos, em 2001,é um exemplo. No judaísmo, há o Tishá BeAv (9 de Av, no calendário judaico), data que ficou marcada por lamentáveis acontecimentos com o povo judeu, como a destruição dos dois templos sagrados da Antiguidade. No cristianismo, a Paixão de Cristo também conta uma história em que a descrença na convivência humana se acentua, com o flagelo de um homem exemplar. O perigo é perpetuar esta memória para os outros dias, distorcer a rotina, como vem acontecendo, no embalo da simbologia da injustiça que estas histórias representam, as impregnando por toda a parte. O 11 de setembro está em nós quando olhares tristes tomam conta do metrô, ensimesmados em seu mundo por trás de um fone de ouvido. A lembrança destas datas acaba se tornando a celebração da indiferença, a prova de que temos mesmo de afastar o desconhecido, acalentar o luto, silenciar o canto da esperança. Temos um lado terrorista que se regozija permanentemente com a autoflagelação da humanidade e alimenta a falsa mensagem de que ele é a maior realidade. Seu enredo teatral repete a inscrição do Portal do Inferno, de Dante: Ó, vós que entrais, abandonai toda a esperança...O mundo está violento, o egoísmo se multiplica pelas cidades enlouquecidas. Mas se esquece do mais importante, nesse carrossel de fugas permanentes. Ao contrário do que pensaram os opressores, todos estes períodos trágicos resultaram no fortalecimento de uma causa maior, de uma fonte de vida inesgotável e indestrutível. Emergiu das atrocidades uma mensagem de amor e de confiança nos homens. O povo judeu ressurgiu após as mazelas passadas, assim como a mensagem pacificadora de Cristo sobrepujou pela eternidade aqueles que o repeliram no momento, sentindo-se, ilusoriamente, vitoriosos. A humanidade sobrevive há milênios, refazendo-se em ciclos de cada período terrível. Emergimos das Guerras Púnicas, de Júlio César, da Idade Média, das guerras mundiais, fazendo prevalecer um lado construtivo, que não deixa de ser divino justamente por ser humano. Tenho uma tia que nasceu em 11 de setembro. Ela é uma pessoa especial, gentil, sorridente, afetuosa. O amargo institucional da data não se identifica com a sua personalidade carinhosa. Nem o 11 de setembro de hoje é o mesmo de há 13 anos. A cada dia o mundo ressurge um pouco modificado e repleto de novidades, que muitas vezes os olhares tristes do metrô e a indiferença buscam ocultar de nossas percepções. Não quero me esquecer da tristeza das perdas que estes momentos trouxeram. Não quero deixar para lá, desconsiderando todo o sangue que correu pelo sopro da loucura e da insensatez. Não é isso. Quero apenas ir mais além. Continuar acordando todos os dias, enquanto puder, e ver preguiçosamente a manhã se descortinar sedutora pela janela. Quero deixar a luz do sol  invadir meu quarto, levantando a poeira de uma noite muitas vezes mal dormida e, após um bom café da manhã, acalmar meus pesadelos embebido na dádiva da respiração. Ter a oportunidade de me oxigenar, de purificar a alma com um banho de esperança. Depois, ligar a TV, ler o jornal ou pegar o telefone, ao som do alarido dos pássaros. Na data fatídica, dar um telefonema para a minha tia, com alegria. Para lhe dar parabéns, nesta data querida, e desejá-la um ótimo aniversário, um feliz 11 de setembro.

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