quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Alguém

Surge um jovem de calça rasgada, olhar amarrotado
Perambula na rua, descamisado
Na calçada agacha e repousa sentado
Na mureta do prédio apoia o corpo cansado
Em plena manhã gente passa ao seu lado
Indiferente, irritada, está acostumado
Ele não liga nem se faz de rogado
O que importa se o bairro é de endinheirado?
A cracolândia tá longe, ônibus tava lotado
Barba por fazer sem banho tomado
Perdeu o sentido, vê o futuro manchado
Tristeza acende a dor do passado
Pai e mãe o largaram abandonado
Desligou-se do mundo, ficou meio pirado
Já vê que com a morte tem encontro marcado
Agora ou depois, caminho traçado
Só sobrou o bagulho que comprou fiado
É isso que o faz ficar concentrado
Atormentado, ensimesmado, descabelado, chapado, mamado
Obcecado, acha inútil o atarefado
Esqueceu que um dia foi apaixonado
Pela moça da esquina, um sonho encantado
Esqueceu-se de tudo, de que foi amado
O sonho deixou seu coração rasgado
Aprisionado, sufocado, atarantado, azarado, fissurado
As pessoas, a vida, é tudo furado
Não espera mais nada, está isolado
Tira do bolso o papel amassado
Na mão o embrulho de erva fechado
Mostra perícia de alguém preparado
Nem percebe o dia ensolarado
O sol dentro dele está ofuscado
Ele enrola em silêncio o seu baseado
Dá um trago, um pigarro, peito congestionado
Entediado, explorado, desesperado, desmiolado esse descamisado
Do sorriso abafado
Do grito calado
De plano mutilado
Acabado, apagado, vagabundo condecorado
No tempo parado, já não sabe se é
Coitado ou culpado

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