sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Escravidão

Um ex-marido pode lembrar-se com carinho do sorriso da ex-esposa, naqueles tempos em que só sabiam brigar. Um ex-jogador ganha ares de humildade, supera rivalidades, não quer ser esquecido pelo furacão do tempo. Um ex-funcionário olha para o ex-chefe, homem ainda carrancudo, e não se arrepende de ter saído da empresa. O termo ex é sinônimo de sabedoria. Vem de eghs, fora, no indo-europeu. E de fora das situações, a visão é mais ampla. O coração pulsa mais puro. O olhar é mais acolhedor. Uma lágrima se permite emergir. A natureza, porém, foi sábia. Tirou do vocábulo o alcance ilimitado. Há situações em que a sabedoria tem de correr no presente. Há momentos em que o ex se perde no tempo, tornando-se escravo do passado e do futuro. E nos tornando escravos da realidade. É o rosto que nos persegue no espelho, a verdade impregnada em nossa consciência. Vem tão de dentro que nem a morte é a fuga. Nela, até podemos ser ex-vivos. Mas não existe ex-filho, ex-pai, ex-mãe. Dessa responsabilidade não podemos sentir saudades. O gesto de compreensão tem de ser quase imediato. A exigência é grande, quase divina, mas não há escape porque jamais seremos nossas sombras, nossas ilusões ou descaminhos. Tampouco seremos ex- nós mesmos.

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