quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Scriar

Um escritor não deveria nunca ter infecção hospitalar. Já que isso não acontece, devido à petulância dos micróbios, que pelo menos eles fiquem sabendo que seu poder é limitado. Conseguem penetrar nos pulmões, como em divertido salto em túneis de vento; correr livremente pelos trilhos das artérias e até alojar-se nas fendas da meninge. Não podem, no entanto, destruir o poder criativo que emana daquele corpo, volátil, mas concreto em seu conteúdo vivo, de onde cidades são povoadas, campos são visitados, figuras emblemáticas interagem em um mundo imaginário tão próximo mas também tão inalcançável. Mesmo que atinjam seu cérebro, é inútil tentar destruir as reações neurológicas que criam histórias de amor e drama, que inventam sorrisos, matam vilões, constróem heróis. Sua pele está abatida, mas ainda é suave. Seu olhar mantém o jeito tímido de criança indefesa. O brilho cintilante permanece puro e intenso. No leito, a boca semi-aberta indica dificuldade de respiração. Mas todo o seu passado, todas as palavras silenciosas exalam intactas daqueles movimentos ofegantes. No seu coração fragilizado, ainda pulsam com força os pensamentos, os ideais, os sentimentos. E do ar que silva tíbio de seus lábios, a emoção emana acumulando-se em um tufão. Então se vê que a infecção foi derrotada. Não destruiu o mais importante. Então o escritor se torna quase divino, ressurge nas nuvens como um imortal. E deixa como legado a ideia de que ele é um ser asséptico. De que o amor é asséptico.

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