sábado, 19 de março de 2011

Alma

Evito falar de guerra, não gosto de falar de fome, finjo esquecer-me da miséria. Digiro estas ideias transformando-as em palavras bonitas, suaves, que exaltam o lado mais nobre da alma humana. Mas neste oceano fabricado por mim, rondam ainda os tubarões que amputam pernas de crianças, deixam meninos sem comer e atentam contra a dignidade das cidades. Hoje dei um prato de comida a uma menina de três anos. Não perguntei seu nome. Ela tinha os cabelos negros, um vestidinho rosa, dentinhos brancos e fazia da cena de sofrimento um motivo para se superar com brincadeiras e sorrisos de um jeito que só as crianças sabem fazer. Ela também parecia, como eu, não querer falar de mazelas, apenas brincar, brincar e comer, ao lado da mãe, na mesa do fundo do restaurante por quilo. Se divertia a cada novo componente: batatinha, ovinho, franguinho... Quando saí, ela me acenou dando tchau, com o mesmo sorriso e um olhar profundo de gratidão. Gratidão. Taí uma das palavras bonitas, suaves, que exaltam o lado mais nobre da alma humana.

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