quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Mudanças

Eu me achava solidário. E não me considerava egoísta. Colocava-me no topo do idealismo. Quer saber mais? Tinha certeza de que eu era mais romântico até do que o Romantismo. Até que tive um filho. Nos tempos de gravidez, eu já falava com ele, encostando meus lábios na barriga da minha esposa para lhe mandar palavras de incentivo. Desde então, fui percebendo alguma transformação no que eu achava de mim. Via a barriga das mulheres grávidas e as respeitava mais ainda do que na minha retórica anterior. Observava o atendente rude e engolia em seco. Afinal, ele era um filho de alguém que um dia o olhou com a mesma ternura que olho o meu. Sempre me achei solidário com a população pobre. Até que senti algo mais profundo do que minhas convicções superficiais indicavam. Foi quando, entrando na padaria, vi um homem e o seu menino sentados na lateral da banca de jornal, me pedindo comida. Enquanto o homem falava, o filho abraçava sua perna dobrada em V. Agarrava sua canela com devoção, divertindo-se naquela situação, mostrando que sua fome de carinho estava saciada, o que era o mais importante. Tinham alguns pacotes de pão e uns brinquedos. As pessoas também se sensibilizavam e isso parecia tranquilizá-los um pouco. Olhei o menino, despenteado, mas com olhos volumosos e brilhantes, como os do meu filho. A princípio, ele era para o seu pai algo como o meu filho é para mim. E o seu empobrecido pai era para ele um heroi legítimo. Entendi que eu não estava acima deles, como muitas vezes um discurso de pura pena pode camuflar, involuntariamente. Senti a dificuldade imensa que era para o homem estar ali, na frente do filho, sem outra opção no momento. Não era somente alguém pobre me pedindo ajuda. Era também um pai. Eu me achava solidário, até que tive um filho. Pensava saber sobre o egoísmo. Não quero com isso excluir os que não têm filhos da possibilidade de ter esta percepção. Também não me refiro à solidariedade dos que se fecham em sua família e sempre tentam levar vantagem, porque acho que isso é uma solidariedade irreal. Falo de uma sintonia que surgiu desde que minha criança nasceu, quando foi parar em meus braços e o vi abrir os olhos pela primeira vez.  Naquele momento, eu também abri os meus. Passei a ver o mundo com o olhar duplicado pelo amor que sinto por ele. Ter um filho não é apenas se solidarizar com os seus. É receber da vida um presente muito maior. Tudo mudou quando eu tive um filho porque ele me ensina, a cada dia, a ver o outro.

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