quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Natal

Levantou-se do divã e se despediu do psicanalista com algo que nunca havia falado nos anos de análise. “Feliz Natal”. Era antevéspera deste importante feriado. Mas não foi só por isso que ele soltou a frase. Haviam descoberto coisas importantes. É como se uma nova criança nascesse por um sopro de luz do céu, trazendo novos paradigmas de Salvador. A sala se tornou um presépio. O divã, uma manjedoura. O psicanalista, com seu cajado e o bigode branco, era um misto de profeta, anunciador de uma era, e de pastor, em sua humildade de observador pronto para servir. O nascimento de alguém, um ser frágil e dependente, é um ato que remete mesmo a um cenário de humildade. Como um estábulo simples, mas caloroso, símbolo que resiste à ganância e perversidade humanas através do suplicante balido do carneiro, do olhar dengoso de uma ovelha e do choro vital de uma criança. Impulsionado por novas possibilidades, ele deixou a sala rumo ao século XXI, mecanizado, tecnológico, urbanizado. Desceria por um elevador moderno. No frenesi da rua cheia de carros, não sabia se encontraria reis magos inebriados pela luz da estrela que anunciou este nascimento. Nem se deles receberia presentes, como incenso, ouro e mirra. Ele só queria proteger suas retinas da claridade insensata do mundo. Precisava de um alívio para sua indignação. Chegara o momento de enxergar algo por de trás dos gestos competitivos e insanos das pessoas. Um pouco de paz na terra e homens de boa vontade.

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