terça-feira, 30 de outubro de 2012

Adormecidos

Calor no calçadão. Dia de campanha, militantes de bandeira azul próximos aos de bandeira branca. Andam, entregando panfletos, conversando em grupos. Então um de branco discute com um de azul. Outros chegam, confusão iminente. Gritos e ameaças de briga. “Ninguém rela a mão em mim não”, berra um. Outro reage: “Mano, fica na tua”. Não percebem que um homem dorme embaixo de um banco, no centro da via pública. Tem uma ferida no olho, barbas por fazer, camisa amarrotada e calça apertada. De tão perto, quase pisam nele. E a gritaria não para. Estão em campanha política. Mas ninguém pensa em levar o homem para cuidar da ferida. Querem é ganhar disputas, na urna, no calçadão. Eleição para eles é como um jogo. De interesses. De sobrevivência. Querem emprego, querem comer para não se transformar naquele pedaço de carne adormecido. Um coloca uma placa de seu candidato bem ao lado do moço. Como se ele fosse um poste tombado. A gritaria vai se dispersando junto com o entardecer. O mendigo já nem liga mais para isso. Sabe que nem em campanha olham para ele.Vira-se de lado, com a cabeça sobre um punhado de jornal. Os barulhos são apenas esparsos. Uma brecada, uma gargalhada vinda de um bar distante. O ritmo batido do salto de uma prostituta maquiada. Sua companhia agora são as luzes da cidade e um ou outro cachorro que vagueia pelos becos. O mendigo se sente aliviado. Este é o seu verdadeiro mundo. Agora enfim, no silêncio e na solidão, ele pode dormir tranquilo.

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