quarta-feira, 12 de março de 2014

Reprise

A novela Água Viva passa em reprise na TV. Remexe no curso da vida dele, restaurando sonhos que ondularam rumo ao mar. Deitado no sofá, o moço de meia idade olha para a noite e vê a cordilheira retilínea de prédios, iluminada por luzes que parecem acenar do passado. Seu universo de outrora se move por trás de todas as cenas.  Pelos diálogos, pelas  lágrimas e pela vista do Rio dos anos 80 ele vê projetados, por trás ou por dentro das telas, todos os gestos e sentimentos que vinham dele naquele tempo. As músicas de fundo dão um toque especial. Se fundem à imagens refletidas na porta de vidro da sacada. Se misturam com a noite, com a cordilheira, com aquela época tão distante e tão presente nele. Edyr caminha pela praia melancólico, ao som de Styx. Quem era aquele personagem? Cláudio Cavalcanti e sua ternura canalizada para a trama? Apenas um professor abandonado? Um homem esmagado pelos conflito entre humanismo e materialismo? A premonição do que ele, telespectador em sua sala escura, seria hoje? Ou o encanto inconsciente da sua própria infância, representado na tela? Intuía estas perguntas com placidez, como se todas as respostas fossem um uivo de solidão, como se todas elas fossem as belezas imperceptíveis da vida, apenas travestidas de dramas. Uma sinfonia de feixes de luz se mistura ao espelho da noite e refrata pelo vidro da porta corrediça diretamente em seu coração. O moço então respira o fresco orvalho da saudade, dança internamente com os personagens que também eram ele, a ressurgirem como espíritos, mesclando realidade e imaginação, evoluindo por ondas agitadas rumo à calmaria.  Este momento é uma viagem que o conforta. Sente sua vida como uma reprise que se renova. Uma novela que tece os fios de sua alma e urde sua identidade.  Sua memória é uma prece que se move pela brisa da esperança, rumo ao sono, à consciência leve, tal qual um navio carregado que se aproxima do porto para descansar de suas jornadas, acalentado pela névoa rósea de cada amanhecer.

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