quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Moça

Moça, não venha até minha janela mendigar, com olhar esfomeado, volumoso, pedinte, trazendo seu filho no colo. O menino de pezinhos sujos e descalços parece dormir em seu bruço, deixando um pouco da baba escorrer por seu vestido remendado. Não sei se ele dorme, ou se fecha os olhos para sentir o pulsar do coração materno, abandonado, ressoando com ansiedade diante de cada janela do carro a que se expõe. Dormindo ou não, de olhos fechados, ele sente o cheiro do monóxido de carbono misturado ao do suor. E ouve o som da cidade mergulhar nas luzes dos postes que se acendem para a noite. Ele percebe jovens executivos andarem com mais calma no fim do dia, enquanto grupos de amigos já se reunem nas mesas dos bares da esquina. Ele também capta o ar de suplício, o cansaço, a humilhação da mãe que o leva junto para pedir dinheiro, comida, ajuda. Pela história desta cena corriqueira, peço que não venha à minha janela. Se eu lhe der moedas que me sobram, não conseguirei, por falta de coragem e de disposição, tirá-la da rua, lhe dar um emprego decente, matricular seu filho em uma boa escola, presenteá-lo semanalmente com brinquedos que ele nem percebe que deseja, encontrar para você uma vida digna e para ele um futuro promissor. Sou um homem comum, não sou heroi. Me culpo por isso, rendo-me à minha covardia todas as vezes que me vejo diante de alguém como vocês. Tento fingir que está tudo bem. Por isso, moça, não venha até a minha janela com o menino, porque eu não conseguirei lhe dar o que vocês realmente precisam. Moça, não me faça lembrar de você, de seu rosto bonito e mal cuidado, de seus cabelos longos alquebrados, quando eu botar a cabeça no travesseiro. Já tenho os meus problemas, as minhas contas, as minhas aspirações profissionais, as preocupações com o meu time, a minha agenda atulhada de compromissos. Não me traga complicações. Moça, não venha até mim para eu ter de baixar o vidro e ver de frente o brilho opaco de seu olhar. E a áurea inocente e espoliada da criança que vai em seus braços. Já sei que ela guardará para sempre esses momentos de miséria, quando nem podia tomar banho direito, cortar seus cabelos ressecados, se proteger do vento, confiar no tempo, se curar do medo. Moça, não se renda como eu, nem desista de seu potencial, insistindo em vir até mim me pedir um trocado. Isso é se enredar na teia maligna que se tornou sua vida. Tem de haver outro jeito, por mais diabólica que seja sua situação. E o pior: não traga seu filho se você não consegue sair desta trilha. Moça, não venha até a minha janela, por favor. Não faça isso com você. Não faça isso com ele. Não faça isso comigo.

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