segunda-feira, 23 de maio de 2016

Separações

Como o mundo nasceu no olhar infinito do instante, a cidade evolui no vazio espaço que vem no rastro de cada encontro desfeito. Assim, um homem se derrama em beijos na amada até que ele se veja horas depois olhando pelo vão da janela a lua inebriada de sabedoria. Solitário em suas lembranças. Procurando no ar os últimos vestígios do perfume que ainda permanece no quarto já adormecido. A lua é lúcida. Reflete em sua luz prateada os pensamentos dourados que evoluem com a brisa. Mergulhada na loucura permanente de testemunhar os fatos. Ela, a única que se pendura no céu da história para acolher a desilusão das cenas que não se repetem e insistem em negar ao homem a cada dia o sonho da eternidade. O que é a eternidade, meu rei? Ela se inspira nas florestas longínquas da infância, esta sim que nunca se acaba, se multiplicando em infindáveis oportunidades do que poderia ter sido. Ou nos mares distantes que nos levam de nós mesmos, fingindo nos carregar por viagens inesquecíveis que, no entanto, são roubadas pelos detalhes de uma maré que não permite a queda do barco no buraco sem fim do horizonte. O que é o sublime, meu pai? Ele se inspira no desejo de buscar um tesouro para além dos arco-íris, refastelando-se no som de uma sinfonia de Beethoven, surdo aos apelos da realidade que, traiçoeira, sempre busca estragar os quadros impressionistas da pureza tão procurada. O que é o amor, meu amor? Ele é a minha presença na ausência de Drummond, na ausência de um sentido maior do que ele, o caminho para tornar a insanidade menos dramática e mais amistosa, fazendo dos mares turbulentos que ela traz o próprio alimento de seus delírios legítimos. A amizade, o que é a amizade, amigo? Ela é uma criança que se mantém criança mesmo quando os adultos adulteram a sua lembrança. Nisto ela permanece intacta, apesar de esquecida nestes tempo sem lembranças, de lambanças, de lamaçais que destroem a colheita e a suavidade da manhã. Quando a gente deixa de ver alguém, sabe que não pode ser diferente. Um trabalha lá, outro cá. Um segue a trilha do campo, outro vai para o rancho. Parentes de cidades diferentes se conhecem em uma tarde ao acaso e se despedem como se rotineiro fossem os encontros. Depois, talvez nunca mais se verão. Nem na primavera, nem no verão. E verão que a primavera de seus anseios, do desejo de estar ao lado, da vontade de falar sem ter intimidade, da amizade que brota em olhares esparsos entre a gente, nos ônibus e nas estações, são apenas um sopro. Cada um na sua: o eterno, o sublime, o amor e a amizade andam de mãos dadas apenas às vezes. Despedem-se para se reverem sabe-se lá quando, na graça da vida sem graça feita de pessoas e os seus compromissos. Dirigem cada um deles, em separado, longe da ficção. Como todos nós nascemos, desgrudados. O que nos liga, apenas, é o ser e saber. Saber como está a pessoa lá longe, sem poder nada fazer. Querer abraçar, falar, tocar, mas não conseguir, por causa da distância e do descompasso. Nos une ansiar por conversar sem superar a timidez das convenções. Sem dizer olá e já solfejar o adeus, mantendo o interesse aquecido pela palavra não dita. Ninguém fica amigo de uma hora para a outra, apesar de nascermos irmãos. Resta, em silêncio, apenas torcer pelo bem do outro. Em meio a passadas objetivas que buscam vencer as horas, inutilmente. Enquanto isso... todos os dias, entre todas as pessoas, o braço que abraça lá longe, a fala que alcança o inalcançável, as mãos que acariciam sem toque, os olhos que não desgrudam do invisível, até o fim do mundo, a memória que nunca se traduz, a continuidade do cumprimento após o afastamento, o despertar de cada esquecimento, em cada momento, se chama sentimento.

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