quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Quartier

Tentei recordar o nome de um hotel barato no qual fiquei em Paris. Era em uma ruela, entre prédios antigos. A rua desembocava em outra movimentada, com uma casa de crepes aconchegante e branca. Paralela, corria a boulevard Saint Michel, à noite iluminada por luzes amareladas, transmitindo o glamour nas mesinhas espalhadas nas calçadas e nas obras de arte expostas a céu aberto, junto com livros e discos. Voltei ao local dez anos depois. O hotelzinho era o mesmo, ainda pertencia a uma família portuguesa, acolhedora. Aproximei-me do dono, então mergulhado em papeletas atrás de um balcão, na saleta de entrada escura. Diferentemente de São Paulo, ele não tinha uma caneta presa na orelha. Usava sim um par de óculos mal acomodados. Estava despenteado. E não se lembrava de mim. Seu sorriso espontâneo, porém, permanecia inalterado, ainda que pertencente a um rosto envelhecido. Não enriquecera, mas mostrava-se satisfeito com sua rotina. Parecia estar aberto às novidades e não ligar para os esquecimentos. Dele emanava uma admiração pela própria simplicidade, o que o tornava um ser humano genial. Agora, por ironia, não me lembro do nome do hotel. Não por vingança, mas por solidariedade. Meu esquecimento é um pedaço de mim. E ficou eternamente hospedado, bem ao lado do dele, num cantinho bem escondido de Paris. Lá ainda existo muito bem acompanhado de todo aquele cenário por onde outras figuras geniais e relaxadas como Sartre, Barthes, Foucault pensaram e se esqueceram, também com óculos desajustados. Posso dizer que estou ao lado de todos eles, num reflexo invisível de criações esquecidas. Estou esquecido por lá, mas lá existo. E todo o dia quando acordo, tento seguir o exemplo do que aprendi naquele inesquecível Quartier Latin, onde morarei para sempre, mesmo não usando óculos. Não me lembro do nome do hotel, mas não esqueço de me levantar.

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