quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Paciência

Enquanto tua fúria evolui em erupção, recolho-me em um canto, perplexo. Vejo lascas de fogo chamuscarem minha alma e nada posso fazer. O calor da queimadura arde. Sufoco meu grito para evitar o pior. Torno-me uma locomotiva a vapor, exalando a fumaça da raiva, fruto de material orgânico que consome meus órgãos. Também fervo. Escuto blasfêmias infernais, gritos demoníacos se avolumam em minhas fantasias infantis.
Sinto-me sugado por um furacão de injúrias, triturado em um liquidificador de insultos, soterrado em uma mina escura. Vejo-me solitário em um deserto amplo. A secura de meus lábios começa a ser invadida por um gosto de fel a emergir de meu estômago. O coração palpita, minha visão é tomada pelo vermelho do ódio. Então me lembro do teu sorriso nos momentos de ternura. Intuo por trás de tua chama flamejante o olhar doce e companheiro nas festas de sábado. Ergo-me das trevas. Acima das nuvens enxergo o outro lado do teu tempo, a paisagem da tua cidade pacificada. Inspiro o aroma perfumado da tua essência de flores. E como viajante pelos teus segredos, decifro-os como frutos de tua carência, dos teus medos. Acabo por perdoar-te, já equilibrado em meu recanto adulto. E deixo a cólera passar, paciente, compadecido de tuas dores quase incuráveis, convicto das duas faces da tua natureza feminina.
Então, já assentado à beira de um riacho tranquilo, deito-me na relva, até que tu retornes, renovada, correndo para me abraçar por campos cintilantes. A tempestade passa. O feitiço se acaba. O ciclo termina. Por isso te espero, para sempre.

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