quarta-feira, 15 de junho de 2011

Troco

Ele tinha pressa. Mas a moça do caixa não registrava com rapidez, sempre envolta em problemas com a máquina. Baixinha, com a touca da empresa cobrindo seus cabelos castanhos, tinha o olhar inibido e difuso. O semblante era sério, quase impenetrável. Um cliente típico dos dias de hoje, irritado e egocêntrico, poderia atribuir-lhe certo descaso. Mas não era. Talvez fosse desejo de não estar ali. Então, antes de agir por impulso e reclamar, como ele já estava prestes a fazer, respirou e se conteve. Pegou uma revista no balcão do caixa e leu as manchetes. Imaginou a vida da moça. Visualizou-a acordando às 5h da manhã, numa região da periferia, para chegar àquela padaria às 8h30, após pegar ônibus e trem lotados. Intuiu que ela não devia receber mais de R$ 600 pelo trabalho e que se sentia pressionada diante de tantas obrigações, como ajudar a família, tentar estudar, ter sonhos para o futuro, dos quais muitos morreriam com a agonia das adversidades. Por isso ele não reclamou. É verdade que ela tinha um emprego e podia ser feliz, apesar das dificuldades. A reclamação, porém, seria pequena diante de tudo isso. E não iria amenizar os próprios problemas dele. Não substituiria a vontade que tinha de gritar com o chefe, a chateação de ter de trabalhar longe de casa, a tensão de sua rotina atribulada. Aqueles pensamentos, cuja duração não ultrapassou dois minutos, diluíram sua impaciência. A cena terminou com ele sorrindo para a moça, num gesto que compensou as frustrações de ambos no dia-a-dia. O ato adoçou a realidade, trouxe leveza à cena carregada de tensão, que logo se dissipou, tornando a vida um pouco mais fácil. O sorriso foi retribuído. Junto com o troco, finalmente.

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