quarta-feira, 1 de junho de 2011

Lembranças

Tem se lembrado bastante de seu pai e de como era sua mãe, hoje uma senhora. Olha de frente para o passado e, como em um espelho, vê o rosto de um menino. Ele se transporta para dentro do espelho; revive algumas brigas no carro; as dificuldades do casal; o dia em que o pai disse o futuro a Deus pertence no bar-mitvá, causando confusão com a mãe; a vez em que ele fraquejou e não conseguiu gravar o jogo importante na TV; o dia em que ele, colocando para fora sua raiva, arrancou a antena de um carro estacionado no portão de casa, na frente do garoto; as dificuldades que ele tinha em enfrentar o dia-a-dia. Hoje, especificamente, o filho está se lembrando mais dessas coisas do que dos dias em que iam juntos a jogos do Corinthians, ainda no Morumbi que lotava; no trajeto diário que fazia ao lado da irmã, quando ele os conduzia até a escola; no fato do pai ter, apesar de seus medos profundos, conseguido se formar médico, dos bons, ter casado e tido filhos. E assim como acontece em relação à sua mãe, ele se lembra de tudo em uma saudável inversão. O que era maçante no passado, hoje é motivo de orgulho. Mas o amor permanece intacto. Ou melhor, potencializado. Ele finalmente entendeu o significado de amor verdadeiro, aquele que vence o tempo e se eterniza na lembrança, transforma em carcaças inseguranças infantis. É uma ternura, que, de tão grande, ele não consegue colocar as mãos. É um abraço dado apenas por um sorriso de recordação. É o beijo estampado no rosto por meio de uma lágrima de saudade. É um amor que se eleva acima dos remorsos, vai além das palavras. Não é um amor apenas idealizado pelas qualidades. É um amor compreensivo, esculpido pelas fraquezas humanas, fontes de sabedoria e aprendizado. Base mais consistente para o busto de um herói.

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