segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Vozes

Um dia o semblante do seu pai se desenhou à sua frente, como uma fina estampa em um tecido de seda. Era tênue, poderia se desfazer em um piscar de olhos, em um sopro do vento no entardecer. Parecia a vida da gente. A voz do passado era tão presente, surgia remota, mas ao mesmo tempo próxima, ressoando em seus ouvidos lufadas silenciosas de recordação. As idas para a escola, as conversas sobre política, os estudos de Biologia à noite. Sentiu-se tão perto dele, que esticou o braço, tentando apalpar seu rosto já envelhecido, com aquele mesmo olhar tímido emergindo de suas retinas azuis (ou verdes?). “Pai”, sussurrou, logo espantando a imagem, que se esvaiu como um sonho. Suas palavras ecoaram, porém, em outra voz, fina, infantil, o chamando para brincar. “Pai”, escutou. Voltou-se para baixo, viu um sorriso aberto e um olhar de filhote pronto para uma nova travessura. Dança do amor e da saudade para distrair o vazio. Veio-lhe então uma vontade enorme de escrever sobre a graça dos dentes-de-leite. Tão transitórios, como a vida da gente.

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