segunda-feira, 7 de junho de 2010

Latidos

Os cachorros da minha irmã latem muito, pulam, enchem a gente de arranhões. É só buzinar lá da rua para se ouvir uma sinfonia de uivos, ganidos eufóricos por encontrar gente, receber carinho, brincar. Sopra da sala da casa um furacão de impetuosidade e afeto. Duas fêmeas pretas, uma peluda, outra de pelo liso. O macho é lépido e desobediente, tem a cor embranquecida, pelos desordenados na cabeça, corpo esguio e olhar de criança levada.
Os três foram retirados da rua, onde viviam sofrimento e abandono. Transformaram a dor em ânsia por amigos. Deixaram a revolta à margem, uma ferida bem guardadinha lá dentro. Até se assustam com movimentos mais bruscos do pessoal da casa. Thomas Mann escreveu um conto em que um homem pobre e frustrado tortura seu cachorro até a morte. Com crua sabedoria ele descreveu um lado humano muito comum ao se deparar com as agruras da vida. O de descontar, perversamente, nos mais fracos. Transferir a eles, em diferentes níveis, o cenário das próprias mazelas pessoais. Isso também vale para o dia-a-dia das relações humanas. Na verdade, estou fazendo uma homenagem à minha irmã.

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