terça-feira, 22 de junho de 2010

Motorista

Carro e bicicleta entraram juntos em uma ponte. Era noite. O motorista, logo adiante, notou algo estranho. Acelerava fundo, mas via pelo retrovisor a bicicleta se aproximar. A sensação foi das piores, como muitas que já teve. Sentiu-se fraco por não conseguir, nem com o motor do possante, se distanciar de um veículo de pedal, movido por pés de alguém que aparentava ser desnutrido, vindo da favela que piscava nas cercanias.
Sempre foi assim em sua vida. Sentimentos de perseguição, de ameaça, de fragilidade. Era ele o derrotado em todas as pendências que surgiam. No trabalho, em vez de se desenvolver, era rebaixado. Nas letras, pouco frutificava. Olhava cada semelhante com a certeza de ser inferior. Seu brilho se apagava com a primeira cara amarrada. E eram muitas. O texto do outro era melhor, o astral daquele era insuperável, sua autoestima se desmilinguia diante do primeiro gesto do interlocutor. Era como se tivesse nascido apenas formalmente, sem poder existir.
Agora, nem de carro conseguia ser mais rápido que uma bicicleta. Parecia um pesadelo, ele pisava e mesmo assim o ciclista chegava mais perto. Até que o ultrapassou, já na alça de acesso à avenida. O carro, por sua vez, parou. No marcador, um sinal de alerta. O ponteiro mostrava tanque vazio. Tanta era a cobrança, que a máquina e sua inoperância se materializaram em seu corpo. Seu coração bombou mecânico. As veias transportaram óleo sujo. Do pensamento, faíscas de curto-circuito. Seu estômago roncou. E na boca sentiu sede de gasolina.

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