quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Triunfo

Puskas se revoltou contra o governo húngaro. Maradona sai por aí desancando autoridades, muitas vezes corretamente. Nenhum deles, no entanto, expressou suas opiniões contestadoras com tanta intuição como Sócrates. Ele contestava com a placidez e argúcia dos grandes filósofos. Era pacífico como Espinoza, humanista como Voltaire, racional como Descartes. Cético como Sartre, mas apaixonado como Bergson. Tal qual Rousseau, era um iluminista da bola. Quase um menino em seu olhar sincero, que alternava piadas geniais com um ar de tristeza. Sua visceralidade era lúdica. Exalava paz mesmo empunhando seriamente a bandeira das transformações. Não era inimigo de ninguém. É difícil alguém puro como ele despertar rancores.
Sócrates tinha mesmo algo similar a Garrincha, como comparou Juca Kfouri. Uma espécie de alma de passarinho. Sua inteligência e o fato de ser médico ajudaram a estruturar suas convicções e seu comportamento. Ele via no futebol a chance da solidariedade humana triunfar com beleza. Pensei em mil maneiras de lhe fazer uma homenagem. Pensei em palavras difíceis, tentando retratar a importância que ele teve em minha vida, principalmente na minha adolescência. Mas não seria suficiente falar do fascínio que despertava aquela figura esguia desfilando pelos gramados. Isso aconteceu com muita gente, seria retórica apenas. Cada sequência de movimentos espontâneos, originais, tocava na espontaneidade de quem os contemplava. Porém, o significado das jogadas imprevisíveis, cuja genialidade será cada vez mais evidenciada pelo tempo, ultrapassava a admiração estética, encantando por carregar um mistério, que hoje entendo melhor, ainda que não totalmente. O jogador Sócrates fascinava por não parecer apenas um jogador. Era também uma figura circense, o homem da perna de pau, o domador de seus próprios leões, o palhaço e o malabarista. Ou um astro de cinema. Até um maestro em traje de gala e, paradoxalmente, um humilde morador de rua, ao estilo de Chaplin. Suas passadas e seus toques de calcanhar eram mágicos. Materializavam seus pensamentos, sua arte, sua identidade, sua ética. Espelhavam o seu prazer de ver o jogo como uma simples pelada e não uma guerra. Buscavam soluções. Refletiam sua alma. Retratavam suas fraquezas. Em campo, ele se desnudava por de trás do uniforme. Sócrates era tímido porque não sabia se esconder. Nada mais contestador do que tamanha diferença, tão elegante. Outros grandes craques tinham uma maneira mais comum de tocar na bola: Pelé e Zico, por exemplo. Sócrates não. Jogava futebol como quem dança balé e bailava com a vida como se ela fosse um jogo diário, que poderia acabar a qualquer momento. Por isso, a homenagem que eu posso fazer a Sócrates é ousar afirmar que ele foi o maior jogador de futebol de todos os tempos. Foi o maior do futebol por ter sido muito maior do que o futebol. E único, como todos nós somos e às vezes não percebemos.

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