sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Vovô

O menininho um dia soube que tinha tal avô, mas estranhou nunca receber visitas dele. O pai lhe contou que ele se chamava vô Miguel. E o menino, antes de dormir, passou a perguntar sempre sobre o vô Miguel. O pai contou que o vô Miguel o levava a jogos de futebol. Num deles, o vô Miguel acertou quando disse que o Vaguinho era o “mapa da mina” para o time. O Vaguinho fez o gol do Corinthians, naquele empate com o Santos, em um Morumbi lotado. Na saída, ele só se lembrava do seu pai, o vô Miguel, o conduzindo no meio da multidão. Contou então que o vô Miguel o levava, junto com a irmã, todos os dias para a escola, antes de ir para o trabalho. Ele era médico, atuava em três lugares e trabalhava o dia inteiro. Voltava para casa para almoçar, pegar algumas contas e sair na correria daqueles dias atribulados. No fim do dia, ele sempre voltava para casa com um exemplar do Jornal da Tarde. O filho abria na parte de esportes e ficava admirando os desenhos que dois cartunistas faziam dos gols da rodada. Eram desenhos da realidade, transformados em linhas artísticas que davam vazão à imaginação. Contou para a criança que o vô Miguel sempre lhe dizia, em tom de conselho, para ser “bom de bola e bom na escola” e que, um dia, ele saltou o alambrado baixinho do ginásio para atender o filho que se machucara em um jogo de futsal. Todo mundo viu e achou legal a cena, comparando-a com o slogan de uma propaganda do Gelol, que dizia “não basta ser pai, tem de participar, não basta ser remédio, tem de ser Gelol”. Contou até que o vô Miguel ostentava um imponente bigode, que contrastava com seu jeito terno e sensível. Pois bem, o menininho soube de tudo isso e um dia se calou. Nunca mais perguntou nada sobre o vô Miguel, nas noites que o pai o acompanhava para dormir no berço. A imagem do vô Miguel, que já não estava entre nós, se diluiu como um sonho na mente do menino. Mas algo de real permaneceu, junto com o silêncio premeditado. O menino agora já conhecia, sem necessitar de palavras, a história do vô Miguel. Não queria mais falar sobre ela, para evitar qualquer tipo de dor. Queria apenas intuir. Então, o vô Miguel se despediu dele, para se transformar em lições e ensinamentos do dia-a-dia, durante a longa jornada que ele teria pela frente. O vô Miguel ficou em algum lugar lá dentro da criança, sempre à disposição. Como um amigo que nunca vimos. Como uma saudade de alguém que não conhecemos.

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