quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Insônia

Gosto da madrugada, mas desta vez ela me assustou. Acordei atônito e vi em seu semblante um horizonte de prédios silenciosos. Ar sanguíneo nas profundezas acinzentadas. Não ouvi sua voz, apenas murmúrios esparsos que atiçaram meu medo. E minha imaginação voltava ao dia anterior: dificuldades diante das pessoas, notícias ruins, ameaças. O psicoterapeuta Wilfred Bion já dizia que a solução do relacionamento entre as pessoas é “tornar proveitoso um mau negócio”. Eu observava pela janela do terraço. A madrugada, mesmo muda, parecia me sussurrar algumas palavras e me enviar alguns olhares. “Mau negócio, mau negócio...”, ouvia de suas entranhas que se misturavam ao perfume de fora. Na manhã anterior, vi a jornalista da TV, com ar solene, apresentar cenas de um homem matando o outro. Isso no horário em que antes se passava a TV Globinho. Hipocrisia, nada de violência. Dinheiro, audiência, falta de formação e informação. Bion bem poderia dizer, entre suas estantes de livros e atrás de um paciente angustiado no divã: “a cultura da violência aumenta a violência”. Mau negócio esses tais olhares violentos alimentados por esta cultura, ou falta de. Virei de lado, por entre as cinzas da insônia que queimava. Cheguei a suar de calor. Cara apresentadora,  pensei, não faça esse ar de seriedade para mostrar essas cenas. Elas deveriam acariciar sua face maquiada como meninas zombando da professora. Elas existem em muito menor grau, mas você tenta convencer-nos do contrário. Eu me prejudico, porque as pessoas se influenciam e se personificam em maus negócios. A cultura da violência alimenta e dissemina a violência, concluí, desta vez sendo eu mesmo, e não me transportando ao ego de Bion. Aliás, professor, sei que não vou dormir antes que surja a claridade do sol por trás da massa concreta e adormecida. Ouvirei o primeiro canto dos pássaros, plantados nas árvores e sobrevoando o céu da manhã, como se fossem a voz do terror de uma noite sem dormir. Portanto, peço ao senhor, antes que faça um mau negócio, que não tente interpretar meu sonho. Eu mesmo tento entendê-lo à minha maneira. Ainda mais porque, afinal, eu estou acordado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário