terça-feira, 27 de novembro de 2012

Irmãos

Os mísseis desceram certeiros no prédio antigo e cinzento. Até hoje me lembro do som e da cena. Primeiro um assobio fino, riscas de fumaça no ar. A terra tremeu, numa dança macabra com o barulho ensurdecedor que assolou o quarteirão. Instantes de silêncio. Poeira e pedaços de alvenaria para todos os lados. Cheiro seco de ruína. Rostos encobertos pelo cal. Em seguida, gritos de horror. Homens e mulheres com trajes rasgados, descabelados, com olhares atônitos e avermelhados de medo. Saí correndo em direção ao horizonte. Nada encontrei. A angústia me impediu de seguir em frente. Meu braço estava esfolado. Meus joelhos, doloridos. O impacto ainda fazia meu corpo tremer. Vi, então, um boneco de pano chamuscado pelas cinzas, tombado entre os destroços. Tinha cabelos de lã, ruivos e despenteados. Os olhos estavam arregalados e mortos. Ao seu lado, uma criança de cabelos castanhos curtos, camiseta do Mickey e bermuda jeans. Como se fosse o irmão mais velho. Suas sandálias estavam a alguns metros. A pele branca se destacava no meio do barro. Ele não se movia, jazia em uma poça de sangue. Não precisei adivinhar que gostava de jogar bola. Nem que sua mãe adoraria que ele estudasse na melhor escola da região. E que vislumbrava, entre aquela cortina de miséria, o dia em que ele iria sair de casa, a sua cerimônia de formatura, as vezes em que iria assisti-lo jogar. Ansiava por vê-lo com 1m90, cobiçado pelas garotas, comemorando títulos, recebendo medalhas. Mas diziam que ele era filho de terrorista. Assim, não houve muito tempo para divagações.  Apenas seis anos. Até ele ser carregado por uma multidão ensandecida de palestinos, para ser sepultado como mártir, junto com todos os sonhos fragmentados de sua mãe. E os que ele não pôde sonhar. Só faltou algo: o seu boneco de pano, esquecido entre os escombros. Ele permaneceu lá, no meio da sujeira. A mesma superfície chamuscada. Os mesmos cabelos ruivos. Os olhos continuavam arregalados.  A diferença é que naquele momento eles pareciam chorar.

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