quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Praiana

A cidade de Santos tem um ar emblemático. Nela se mesclam passado e presente, pobreza e riqueza, cultura e frivolidade. Cidade mágica porque aglutina regionalismos: os caiçaras falam tu, como no Rio Grande do Sul. Nas ruas, o aspecto colonial se mistura a algumas construções novas. Quinta-feira, três da tarde. Nos jardins do calçadão da praia, um menino de chinelo conversa com um adulto sem camisa. Um pai conduz o filho até a areia e depois compra uma cerveja na barraca. Um bêbado tropeça no lixo ao lado da escada.  O vento sopra o cheiro da maresia. Enquanto isso, os navios se espreguiçam no horizonte. E as ilhas acenam tentando vencer a distância da costa, do homem, do mistério daquelas águas escuras. Naturalmente escuras, como os olhos castanhos de uma sereia decadente. Santos é bonita em sua integração do novo e do velho. Por sua neurastenia praiana. Por seus mendigos dançando com a garrafa à beira-mar. Pelas moças do interior com biquini que as revelam. Pela melancolia que vira alegria à espera de algo, sempre que a manhã rompe nos morros. Ou quando se acende o colar de prédios da orla. Santos trabalha para aparar arestas. Transforma pesadelos escuros do cais em sonhos alegóricos dos cruzeiros. Mistura de céu, mar e gente. De urubus e de colibris. Do futebol moleque que afasta a tristeza. De história e de tecnologia. Do cheiro de peixe e do aroma de jasmim. De carros modernos que cruzam trilhos de trem. Cidade simples e complicada. Grande e pequena. Onde a mata vence a fumaça. Lugar que revela o paradoxo humano. Símbolo da alma do Brasil. A palavra Santos tem a ver com o sagrado, são. Mas a loucura lateja na cidade mais carioca de São Paulo. Ela mexe comigo, como uma prostituta idosa e cheia de charme. Nas férias escolares, em seu seio me isolava, assustado. Em prantos. Na sua inocência pervertida, plantei a semente de minha maturidade. E hoje posso dizer que amo os seus truques, fundamentais para nos mantermos vivos, a cada pôr-do-sol no Boqueirão.

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