quinta-feira, 20 de maio de 2010

Escuro

A força tinha acabado, ele entrou em casa às escuras. Mal deu para assistir a novela. Era tomar banho frio e dormir. Lembrou-se porém do jogo decisivo que não poderia assistir. Mal acostumado, nem mais se dava conta de que outrora cada partida era um mistério a ser visualizado pelas narrações do rádio.
Não havia tantas transmissões televisivas. Hoje tudo pode ser visto instantaneamente. Nos tempos do videotape, os jogos eram reprisados uma única vez, nas noites de domingo. Veio a recordação de um jogo do Brasil, lá pelos anos 80, que ele ouviu no seu quarto escuro, simples, na companhia apenas de um armário de compensado, uma cama e um quadro da torcida corintiana feito por sua mãe.
O resultado de O x O, o mais execrado no futebol, pouco importou. Nem mesmo a atuação apagada do Sócrates, que ganhou apenas a nota 4 no dia seguinte no JT. Ficou apenas a emoção daquele momento. No silêncio, ouvia e imaginava o Morumbi lotado, cheio de frenesi nas arquibancadas, refletindo um cenário que esquentava a noite com o vapor brilhante dos holofotes. Era um gostoso contraste sentir-se de pijama, pronto para dormir em sua antiga cama de solteiro, acoplada na cabeceira a um baú cheio de pôsteres.
Vivia agora momento semelhante, apesar de a cama ser de casal. Ligou o radinho, ou melhor, o celular, em sua estação preferida. E se pôs a ouvir a partida como há anos, deixando o controle remoto de lado. Pela janela, dava para ver a lua cheia pendurada no tempo. Sua superfície prateada serviu como uma tela. Trazia imagens do jogo e do passado, nas ondas do rádio.

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