sexta-feira, 7 de maio de 2010

Ventania

Dizem que às portas da morte o homem revê cenas de sua vida. Com ele não foi bem assim. Acabara de sair da sessão de análise. Lá embaixo, na garagem externa, se deparou com o céu e os prédios por trás do muro. O sol brilhava, o azul resplandecia. A música que ouvia no rádio era do Edward Maia, Stereo Love. Em um trecho ouviu a frase "I don´t wanna be another one" e a acolheu.
Fechou os olhos, sentiu o vento no rosto. Foi tão intenso que o vento pareceu entrar por seus poros e, em seu interior, dar movimento à sua existência. Em sopros constantes foi trazendo imagens de todos com quem convivia, mais ou menos em uma sequencia decrescente.
Viu o rosto familiar de uns, o olhar emblemático de outros, o cenho franzido de alguns que passaram. Todos no entanto, movidos pelo ar tranquilizador, eram vistos com gratidão e amor pelo papel que fizeram, bom ou mau. E as faces foram se multiplicando em sua memória livre, inspiradas pela música e pelo ar que ventilava seu peito. Tios, amigos, colegas, chefes, de agora ou de antes, amores, cenas, tapas, lágrimas, filhos, dores, sorrisos, dissabores, jogos, viagens, até os esquecimentos. Redemoinho de vivências que o levou até a tenra infância, daí ao feto que já foi, ao ventre que habitou. Lá também ventava gostoso, como agora. Ele abriu os olhos para o dia que explodia em luz. E se sentiu nascendo de novo.

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