terça-feira, 27 de setembro de 2011

Escritório

Não sei se foi por causa de seu jeito simples. Ou pela necessidade da vida. Ele não se tornou cantor, como sonhava, mas contínuo. Era baixinho, de cabelos brancos e lisos, corpo atarracado e rosto com olhos e boca volumosos. Tinha a voz macia, como a de Cole Porter, a de Nat King Cole ou a de Bing Crosby. Seu chefe, infernal, não parava de lhe dar broncas. Aos gritos. Ele não respondia. Apenas saía da sala e ia cumprir as ordens, descendo as escadas cantando inúmeras composições estrangeiras decor, com letra e melodia. Perto do Natal, entoou lindamente I´m dreaming of a White Christmas, após um surto no escritório. Em outro pito, desceu cantarolando Let´s do it. O chefe havia gritado “Faça alguma coisa!” Outro dia, conheci a música Always, de Irving Berlin, pelo timbre aveludado do contínuo. Os corredores pareciam camarins hollywoodianos, onde ele ensaiava. “Eu te amarei sempre...Com um amor que é verdadeiro sempre...” Agia com tranquilidade, quase mecanicamente. Na vez em que ele saiu da sala e iniciou a acelerada e frenética She loves you, dos Beatles, entendi um pouco mais daquela engrenagem que refreava sua cólera. O chefe havia urrado para ele ter pressa.

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