segunda-feira, 5 de março de 2012

Chaves

Tudo o que conversamos carrega uma mensagem por de trás das palavras. Um desejo real e oculto paira sob construções bem elaboradas, engraçadas, agressivas, diretas e aparentemente objetivas dos diálogos rotineiros. Só um espírito de outro mundo conseguiria decifrar este emaranhado de sentimentos e frases enredados. Ou talvez um psicanalista mais dedicado. Um dia perdi uma chave no deserto, em frente a uma casa no kibutz. Fiquei tateando a areia sem nunca encontrar o objeto. A chave carregava tudo o que eu queria dizer ao mundo e não disse. O povo judeu também caminhou 40 anos naquele mesmo deserto, tentando encontrar suas chaves. Nem a Torá o convenceu por completo de tê-la encontrado. Temos a nossa comunicação cifrada como a da bíblia, não podemos ser passivos e nos acomodarmos com chaves perdidas. Era para minha mãe ter filhos gêmeos. Mas eles morreram antes de nascer. Eu vim depois, como se fosse a chave, a solução compensatória. Mas depois que perdi minha chave no deserto ganhei a liberdade de não saber exatamente quem sou. Minha vida é tentar saber. Ninguém me ajuda, nem as montanhas imutáveis do deserto, nem as pessoas mutantes ao meu lado. Sigo em frente conformado e aliviado por ser a chave para meus infinitos encaixes, nesta busca que tem de ser eterna. Porque, afinal, não tenho cópia em nenhum dos meus bolsos vazios.

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