quarta-feira, 7 de março de 2012

Composição

Eu tinha um primo expansivo, cheio de ideias, inteligente, robusto, com olhos e lábios volumosos. Dirigia em alta velocidade, gostava de pular de paraquedas e de cantar as mulheres. Transbordava generosidade em sua alma aflita, de menino. Um dia ele me levou a uma matineé, na danceteria Tamatete. Fomos da Zona Norte ao Itaim-Bibi, com ele me contando sobre sua vida, sobre suas perspectivas. Eu, tímido e mais novo do que ele, só ouvia, pouco falava de mim. Falei pouco de mim para ele. Sempre em busca de me agradar, tentava em vão conversar sobre futebol comigo. Eu não sabia como responder, ficava sem graça por seu conhecimento na área ser menor que o meu. Ele morreu há alguns anos, aos 29 anos, asfixiado em seu quartinho, em uma casa em Poços de Caldas. Ocorreu um vazamento de gás enquanto dormia. Era tão sonhador e se foi sonhando. Certa vez, compôs uma música e, entusiasmado, mostrava para nós, contando que iria participar de um festival. Cantou tocando violão na sala de seu apartamento no Bom Retiro, entre móveis antigos, desejando a fama ou pelo menos o reconhecimento. Não se inscreveu no festival. Mas, agora, o inscrevo simbolicamente. Calo-me, como sempre fiz, para escrever os versos daquela música, na tentativa retroativa de realizar seu sonho. “Camões tem seus Lusíadas, Roberto, sua fé. E eu que só queria ter você como mulher...”

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