sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Burocrata

Há funcionários que trabalham em um local durante 30 anos e mal criam laços afetivos. É aquele que atua ao lado de uma mesma pessoa durante esse longo período e o vínculo nem de longe esbarra em uma amizade, permanecendo alimentado por cumprimentos formais e conversas profissionais. Chega à sua mesa diariamente, coloca sua bolsinha de couro com documentos na gaveta, olha com esmero para seu celular adormecido ao lado do computador, fala oi para os presentes, e se enfurna em seus problemas. Enquanto passam os dias, fica submerso em uma rotina amedrontada, vive fugindo da ideia de descobrir em seu íntimo o porquê deste aprisionamento. Torna-se um autômato de seus hábitos enraizados, padronizados pela sociedade que o cerca, que age de maneira idêntica, calando-se diante de injustiças, cúmplice desta tortura da omissão.
Sempre que anda pelos corredores, teme que ouçam suas conversas, até seus pensamentos. Passa o tempo inteiro com medo de perder o emprego. O tema mais abordado pelos cantos da redação é justamente esse, demissão. “Este foi embora por isso”, ouve em uma conversa no banheiro. “Aquele por aquilo”, escuta na baia ao lado. Desenterra-se, na arqueologia desta paranoia, casos de décadas anteriores. “Há 17 anos o tal fulano saiu porque escreveu com erro de ortografia”, chegou a escutar. Mas ele mesmo se entregou a essa atmosfera de permanente fritura. De auto-fritura. E se mantém nesta frigideira contínua, na oleosidade de caráter que frita seu espírito. Um dia ele perderá até a oportunidade de sair da caverna, colorindo seus dias com mais ousadia, criatividade e amor. Será a realização de seu anátema, a derradeira demissão com a chegada da morte.

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