segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Realidade

Acabara de discutir com um alcoólatra. Foi na saída de um bar na Vila Madalena, já na noite funda, mergulhada no silêncio sem luar. Envolveu-lhe uma sensação de humilhação por ter proferido palavras raivosas, cuja origem até era legítima, mas que perderam seu brilho ao alimentarem tão inócuo diálogo. Não adianta se confrontar com um alcoólatra, ralhá-lo porque bebeu. Ofender-se com o que falou. Entrou em casa, deitou ainda trêmulo com a confusão. Sonhou com um antigo amigo, de escola. Estavam juntos, indo e vindo por uma série de salas, pertencentes a um clube recreativo. Conversavam com diretores, sócios, sentindo-se plenos e seguros. Em outra ocasião, ouvia sua esposa, em um saguão de hotel. Ela lhe falava com serenidade e tom conciliador, acalmando-o. Na sequência, vencia uma corrida de carros de passeio, pelo trânsito paulista, contra competidores que iam de ex-colegas até o piloto Felipe Massa. Os afoitos concorrentes batiam, seduzidos por mudanças repentinas de trajetória, por arrogância e ambição. Ele se manteve reto, com perícia, na pista da esquerda. Desviou-se só o necessário e se surpreendeu com a vitória. Chegou antes a um prédio com uma escadaria na entrada. Esperava no saguão quando os organizadores já iam dando a vitória para outro. Ele não permitiu a afronta, fruto do descaso alheio. Argumentou sem perda de tempo e finalmente conseguiu o reconhecimento, ainda que sem impedir os ares de desprezo. Não fazia mal, estava feliz. Conseguia enfim se comunicar e obter retorno. A trama foi uma paradoxal obra-prima de sua mente, numa fusão harmoniosa do inconsciente com a sensatez da consciência. Ajudou-o a se sentir aceito por si mesmo, suportar a rotina de realidades que não podem ser sonhadas por outros. Sonhos são resoluções individuais. No dia seguinte, ao acordar, soube por telefone que o alcoólatra tinha morrido atropelado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário